Entendamo-nos: a existência de um ranking a avaliar a transparência da governação local é o melhor indicador de que o caminho é longo e que será preciso fazer muito mais para a mudança de perceção dos cidadãos sobre o atual modelo de gestão das autarquias.
Não obstante a necessidade de olharmos de forma positiva para a dinâmica da gestão local, para os seus índices de eficiência e resultados operacionais, as responsabilidades acrescem na exata proporção em que aumentam as exigências de transparência dos atos públicos.
Infelizmente, nem todos pensam assim, o que nos conduz ao dilema da condescendência perante a obrigação, do culto de personalidade perante o favor que deveria ser um direito, da distribuição de recursos versus empatia política, da necessidade versus lealdade.
Há significativas melhoras na gestão da coisa pública, fruto de uma maior exigência no cumprimento de regras, preceitos e compromissos e há também uma melhoria importante no uso de instrumentos auditáveis, capazes de reduzir a sedução por via da tentação de governantes e governados.
O ranking da Dintra avaliou as 50 maiores cidades portuguesas, nenhuma cumpre, ainda, a totalidade dos139 indicadores, sendo que Braga com 84, ocupa o primeiro lugar destacado desta lista.
Os critérios utilizados por aquela plataforma abrangem dimensões tão diversas como a económica, financeira, urbanismo e obras públicas e participação, colaboração e cidadania, com melhorias significativas a serem relevadas em muitas Câmaras Municipais.
Todavia, ficou claro que esta perceção positiva por parte dos cidadãos é uma faca de dois gumes na medida em que do mesmo modo que atribui nota positiva a atos de gestão, percecionando valor acrescentado na ação política, atribui mais responsabilidades e maior exigência aos que assumem a governação local. E não haja dúvidas, que a pressão vai aumentar, sobrando queixas em todas as áreas de intervenção, porque o nível de exigência subiu a parada.
Para que o efeito desta avaliação perdure e seja capaz de colocar os atos de governação um nível de elevada exigência, vai ser necessário definir novas regras internas e uma perspetiva distinta na condução dos processos que devem fazer recair o esforço sobre a satisfação dos cidadãos e nada mais do que isso.
Há muito tempo que as questões da transparência integram o lote das maiores preocupações sociais que crescem à medida das notícias, ou se reduzem na sua ausência.
Os autarcas eleitos têm a obrigação de se questionar sobre o modelo de democracia local em vigor, sobre os instrumentos tecnológicos ou não, que os ajudam a responder aos índices de satisfação ou ausência dela, sendo por isso, crucial, que esta questão seja debatida publicamente, da mesma forma que é expectável que se questionem sobre a necessidade de capacitarem os seus recursos humanos para conseguirem capitalizar o que o discurso anuncia, e a prática diária penaliza. Um dos diferendos cruciais nesta demanda remete-nos para os sistemas de gestão em uso, a uma excessiva carga hierárquica e a uma visão vertical da governação que torna difícil outorgar objetivos e indicadores que primem pela eficiência e pela eficácia dos serviços. O primado do dever da governação local não é passar cheques em branco a quem gere a coisa pública, se não tiver instrumentos que assegurem o binómio autonomia/responsabilidade. Será, seguramente, uma fatalidade escolher outro caminho que tenha como base, uma “taskforce” desnutrida e sem senso, longe das necessidades reais dos que para além de cidadãos, são contribuintes líquidos dos orçamentos municipais. Espera-se que a capacidade de desenvolver sistemas integrados de gestão e o que isso significa, comece a tornar-se numa pática habitual, mormente o esforço que tal acarreta. Por experiência própria diria que é na mentalidade e nos métodos de trabalho que se encontra a grande barreira à Mudança. Veremos se em tempos pré-eleitorais, a demagogia e o populismo local, serão capazes de definhar ao ritmo das necessidades dos cidadãos e dos autarcas. Está em causa a própria sustentabilidade política e esse é um bem que não nos podemos dar ao luxo de ignorar, sob pena de hipotecarmos definitivamente a Democracia e o que ela significa para cada um de nós e para a sociedade.
Autor: Paulo Sousa