Há uma que tem como título Unhas do Diabo e faz parte da tradição popular de Ponte de Lima.
Reza que havia um escrivão corrupto, que, a troco dumas benesses ou subornos, falsificava documentos de pessoas ignorantes a favor de pessoas abastadas. A índole deste homem tornou-se demasiado conhecida devido à repetição de factos e à revolta que se ia acumulando.
Até que chegou o dia em que a morte lhe bateu à porta e se levantou um burburinho entre o povo a respeito do seu passado. O mulherio cochichava as maldades do velho condimentando-as de pragas e abrenúncios.
Os homens, por sua vez, afirmavam que não podia ser enterrado no cemitério, que era terra sagrada. E ninguém se oferecia para tratar do funeral.
Havia um convento de frades franciscanos que entendeu dar-lhe sepultura na igreja do convento, por caridade. E foi a solução.
Só que à meia-noite três fortes argoladas na porta do convento despertaram os frades, que se levantaram e foram para a portaria. Perguntaram quem era e uma voz disse que abrissem que nada de mal lhes aconteceria.
Apareceu um personagem com aparência de perfeito cavalheiro, que, sem delongas, informou que queria visitar o túmulo do falecido na igreja do convento.
Então dirigiu-se ao túmulo, levantou a tampa de pedra e arrojou-a para o lado, como se fosse de papelão, arrancou o cadáver, abraçou-o pelo peito, tornou-se escuro e terrível, levantou voo através da vidraça, que estilhaçou, e desapareceu pelos ares, tendo crestado um cipreste por onde passara, enquanto se ouvia uma tasquinhada diabólica.
Os frades estupefactos ajoelharam em oração enquanto dois irmãos leigos correram para fora e ainda viram os dois abraçados como se fossem um só.
As lendas contêm muito de fantástico, mas acabam também por deixarem uma lição moral, ao menos implícita.
Esta lenda é do género da Dama Pé de Cabra, recolhida já por D. Pedro, conde de Barcelos, filho natural de D. Dinis, no Livro de Linhagens.
A autora desenvolveu a sua obra em 5 volumes e serviu-se de coleções anteriores, nomeadamente a citada obra de D. Pedro, Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano e Contos Populares e Lendas do Dr. José Leite Vasconcelos.
As lendas podem ser fictícias, e são-no quase sempre, mas supõem factos reais, assim como também a existência do diabo, que é real.
Este tema não é estranho em Portugal, infelizmente. A corrupção é uma praga velha, que, com interregnos curtos, assome à tona nos diversos órgãos de comunicação social e nos tribunais. Estes estão cheios de processos, cujos resultados dificilmente chegam ao fim.
Ao menos, surgem as lendas com a sua nebulosidade e ridículo para amenizar histórias de desfalques, burlas e outras injustiças.
Autor: Manuel Fonseca