As ideias de tais mentores do casamento a prazo, ou da simples união de facto, pensam que a mulher é hoje, tanto como o homem, um instrumento de trabalho a tempo inteiro, pelo que a sua justa igualdade de oportunidades profissionais lhe tira tempo para estar em casa com mais delonga como dantes e, sobretudo, para educar e tratar da prole como as antigas mães.
Por outro lado, defendem que a ideia de uma família estável é também um degrau superado pela sociedade actual. Por isso, o termo duma união num lar deve ser facilitado, generosamente pela legislação, de forma a que cada membro do casal que não se entende possa seguir o seu rumo com airosidade, evitando traumas desnecessários, disputas incongruentes, enfim, uma vez que o seu “amor” acabou de uma vez para sempre, já nada se pode fazer. Muitas outras motivações poderiam ser apresentadas no sentido de compreender que os casais actuais têm um grau de estabilidade muito incerto. Elas – essas razões – também seriam um testemunho convincente para mostrar que as actuais legislações sobre o divórcio, não são exactamente permissivas, mas apenas compreensivas, realistas e muito objectivas. Como alguém comentava, “hoje é mais fácil obter o divórcio do que mudar de carro”.
Este enfrentamento com a realidade encerra um alto grau de hipocrisia e de desacerto. Nenhum legislador terá coragem para elaborar um conjunto de regras que facilite uma realidade má. Por exemplo, seria condenável que se fechasse os olhos ao roubo, argumentando que essa realidade, unida à desonestidade conivente entre os cidadãos, é um estado social em aumento progressivo; ou que se facilitasse a fraude fiscal, já que nos nossos dias é uma prática habitual. Procurar curar o mal com o mal é, como diz o povo, “ir de mal para pior”.
Nesta ordem de ideias, perante o matrimónio, a posição mais correcta não é promover legislativamente o seu enfraquecimento ou a sua destruição, mas procurar defendê-lo, tendo em conta que a família que ele encerra é o núcleo fundamental da sanidade dum agregado social. Pensando um pouco, é preciso não ignorar que um filho que conheceu o fim da união de seus pais sempre se sente como uma espécie de produto duma ruína. Ao fim e ao cabo, a sua existência não foi motivo suficiente para que os pais procurassem viver em comum – para isso se casaram – e perseverar, com a harmonia possível, manifestando que o seu amor é capaz de vencer os grandes reptos que a vida lhes lança.
Pelo contrário, a partir do momento em que os rumos dos progenitores seguem vias diversas, ele vive, habitualmente, o seu lar sem o pai, que pode visitar aos fins-de-semana, como se ele fosse apenas seu filho aos sábados e aos domingos. E não é raro, de um modo mais ou menos rápido, descobrir que o pai encontrou outras companhias, com quem ele tem de se relacionar de forma obrigatória, porque elas fazem parte do novo estatuto de convivência de quem o trouxe à vida. E não é igualmente inusitado que a sua mãe opte por soluções semelhantes, impondo ao seu filho um novo modo de viver naquela que foi a sua casa até então.
Recordo que, quando, há algumas décadas, estive à frente de um estabelecimento de ensino, fui uma vez surpreendido pelo comportamento desarvorado dum rapaz dos últimos anos escolares, bom aluno e pacato, que, nesse dia, fora expulso de duas aulas. Chamei-o ao meu gabinete. Lavado em lágrimas, confessou-me que não tinha conseguido dormir nessa noite, porque os seus pais, há cerca de dois meses, se tinham separado. A mãe fora viver para o estrangeiro com um amigo e o pai tinha levado para a sua casa uma senhora e o filho dessa senhora, que passava a dormir no seu quarto. Já o sabia há mais de quinze dias, mas hoje de manhã tinha explodido.
E acrescentava: “Os meus pais fizeram da minha casa uma ruína e eu sou o que resta dela...”
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva