-
Corrigindo uma “gralha” do meu último trabalho). No 1.º capítulo do meu anterior artigo, aqui no DM, em 10-12-2019 (ao falar do falecimento aos 95 anos, da grande fadista Argentina Santos), recordei o famoso bispo godo Ulfilas; e, por mero lapso, de que não me apercebi, escrevi que ele vivera no séc. VI d. C.; e não, no séc. IV d. C., como de facto aconteceu.
-
Quem foi o bispo Ulfilas?). Ulfila (Wulfila, em godo; ou Ulfilas, na versão grega) terá nascido por 311 d. C. e haveria de falecer em Constantinopla (Istambul), ca. de 382. A sua vida não é conhecida em detalhe e o que dela se sabe, baseia-se nos historiadores da Igreja Filostórgio, Sozomeno, Sócrates e Teodoreto (sécs. IV e V d. C.). Pensa-se que Ulfila terá nascido no território godo a norte do Danúbio (hoje, sul da Roménia), mas que não seria inteiramente godo, pois descenderia em parte de naturais da Capadócia (centro da actual Turquia) que os godos teriam, nas suas migrações, transportado para os Bálcãs. Em 341, com 30 anos de idade, supõe-se que fazia parte de uma embaixada ao imperador. Como resultado da viagem, é tornado “bispo dos Godos cristãos”, por iniciativa de Eusébio de Nicomédia (bispo de Constantinopla). Este bispo de Constantinopla tinha contudo aderido à “heresia ariana”, fundada pelo bispo egípcio Arius; o qual afirmava que “o Filho e o Espírito Santo não comungavam da natureza do Pai e que lhe eram inferiores”. Ulfilas prega 7 anos a norte do Danúbio, mas o rei godo é-lhe hostil. Em data incerta (375?) Ulfila conduz os seus convertidos para a Moesia (hoje, Bulgária) no lado sul do Danúbio, província que então ainda pertencia ao Império Romano do Oriente. Para mais, o Imperador da altura era Constâncio II, também ariano. Porém, em 360, o bispo Ulfila tinha já participado no concílio de Constantinopla, que promulgou que “Pai e Filho comungavam da mesma substância”, sendo o Espírito Santo inferior. Por intermédio de Ulfila (o apóstolo dos Godos), foi a esta 2.ª fórmula (já bem deturpada) do Arianismo inicial egípcio, que os Visigodos foram gradualmente convertidos (e assim se mantiveram até 589, no reinado do espanhol Recaredo). Contudo, quando em 379 sobe ao poder o famoso imperador Teodósio I, adepto do concílio de Niceia (e claro, trinitário), Ulfila vê, como se diz agora, “a sua vida a andar para trás”. Percebendo o perigo, pensa-se que Ulfila terá procurado um certo “meio termo” e até, enviado uma delegação. Ao certo, contudo, depois do concílio de Aquileia (perto de Veneza, 381 d. C.), Teodósio chama Ulfila “a conversações”, em Constantinopla. E é aqui, na capital, futura Bizâncio, que, o grande apóstolo irá falecer, aos 71 anos; sem, que se saiba, ter mudado de opinião.
-
Apóstolo dos Godos e o 1.º tradutor dos Evangelhos para uma língua germânica). Esses são os grandes méritos do notável bispo “germano-turco”. É devido a ele que hoje se sabe com bastante detalhe, como falavam os Visigodos e os seus irmãos Ostrogodos. Quando eu andava nos últimos anos do liceu, encomendei de Espanha e de França, algumas obras raras que constavam da biblioteca da escola. Tais como o grosso “Dictionnaire étimologique de la langue Latine” (de Ernout e Meillet). E 6 (dos 12?) volumes do “Manual de linguística indo-europeia”, coordenados pelo caledrático Antonio Tovar. A saber: “Osco e Úmbrio”; “Antigo Persa”;” Antigo Irlandês”;” Antigo Eslavo”;” Védico e Sânscrito clássico”; e “Língua gótica”. Este último (de 1945) incluía “paradigmas gramaticais, textos e léxico”, num total de quase 70 páginas. Um dia, até aqui poderei fazer uma comparação lexical com o inglês e o alemão, desta curiosíssima língua-morta, falada pelos antepassados nórdicos dos espanhóis (e dos portugueses do centro e do sul); no Minho e Galiza, os invasores eram primos dos Godos e falavam “suevo”. Mas voltando ao bispo: ele traduziu os Evangelhos, muitas Epístolas e uma parte do Velho Testamento. Além disso, pensa-se que foi ele que inventou (baseado nas letras gregas) o alfabeto que os Godos passaram a usar. Além disso, é devido à pregação de Ulfilas que, de início, esta 2ª versão (deformada) do Arianismo, foi a forma de Cristianismo a que aderiram (por ser a dos poderosos Godos…), quer os Burgúndios (da França Oriental e Suíça); quer os Vândalos (originários da Polónia e que se dissolveram na Tunísia e Argélia oriental).
-
Num futuro distante, Arianismo cristão contra Islamismo?). A actual Igreja Católica Apostólica Romana, a nossa, enveredou por um certo Ecumenismo, por um certo reconhecimento da dignidade das outras religiões, mesmo das não-cristãs, como se sabe. Temo-nos descuidado e, na Europa e no Mundo, é o Islão que progride assustadoramente. Será que o Ecumenismo actual da Roma pos-Vaticano 2º irá um dia reabilitar a primitiva forma (egípcia) do Arianismo (com o seu estrito monoteísmo, paralelo aos do Judaísmo e do Islamismo); e valer-se dela como “última arma”, “última muralha ideológica” contra os intolerantes seguidores de Maomé? Penso que não seria má ideia. O tempo urge…
Autor: Eduardo Tomás Alves