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Por Entre Linhas e Ideias

Mas, afinal, existe mesmo o tempo? Convido os nossos leitores a juntarem-se a esta reflexão, proposta como pergunta da semana. A pergunta abre-se como um dos grandes enigmas da filosofia, porque o tempo condiciona a forma como existimos no mundo e, apesar disso, escapa sempre que procuramos compreendê-lo. Estamos habituados a medir horas e a quantificar dias, mas cedo percebemos que medir não é compreender, já que o essencial do tempo não se encontra nos relógios, mas na forma como cada instante se inscreve na nossa consciência e dá forma à própria experiência de existir.

Não é por acaso que alguns dos maiores pensadores da história se confrontaram com esta mesma dificuldade. Santo Agostinho afirmou, com uma sinceridade que ainda hoje nos surpreende: “O que é, afinal, o tempo? Se ninguém mo pergunta, eu sei; mas, se tento explicá-lo a quem mo pergunta, já não sei.” O nosso pensador, via o tempo como um movimento interior da alma, que retém o passado, projeta o futuro e se torna consciente no instante presente. Esta compreensão interior e psicológica do tempo encontraria novo desenvolvimento séculos mais tarde. Foi então que Immanuel Kant, o filósofo de Königsberg, aprofundou esta linha de reflexão ao afirmar: “O tempo não é algo que exista por si, mas é a forma segundo a qual a nossa intuição interna se organiza.” Para Kant, o tempo não surge como uma realidade exterior que simplesmente observamos, mas como uma estrutura da mente que ordena todos os fenómenos, permitindo-nos distinguir naturalmente um antes e um depois e tornar o mundo inteligível.

Entretanto, o progresso científico e a modernidade trouxe consigo uma nova forma de olhar o tempo. O aparecimento do relógio mecânico e os trabalhos de Galileu e Newton consolidaram a ideia de um tempo absoluto, uniforme e independente dos acontecimentos. Durante séculos, esta visão dominou a ciência e a própria compreensão do mundo. No entanto, já no início do século XX, Albert Einstein viria romper com este paradigma. A teoria da relatividade mostrou que o tempo não é único nem fixo, mas relativo à velocidade, à posição do observador e à força gravitacional. A ciência revelou assim que o tempo físico não é universal, mas flexível, variando conforme as condições em que é medido. É neste enquadramento que surge a intervenção decisiva de Henri Bergson, contemporâneo de Einstein, ao criticar a redução do tempo à sua vertente mensurável defendida pela ciência. Para Bergson, o tempo dos relógios não coincide com o tempo vivido pela consciência. Por isso, Bergson insistia que o tempo humano não se mede, mas vive-se.

Quero recordar o professor António Freire, uma figura profundamente marcante na vida cultural e intelectual de Braga. Foi nas suas aulas de Cultura Clássica que esta reflexão sobre o tempo ganhou outra profundidade em mim. Especialista em mitologia, explicava com clareza a força simbólica das narrativas antigas. Lembro-me do mito de Cronos, o deus que devorava os filhos, imagem intensa desse tempo que avança e consome, mas que também abre caminho ao que nasce depois. Percebi então que o essencial do tempo não está no que se mede, mas na renovação interior que cada mudança torna possível.

Sobre este tema, importa recordar o fascínio que a série Cosmos, de Carl Sagan, exerceu sobre mim e, certamente, também sobre muitos dos nossos leitores. Transmitida na RTP no início dos anos 80, revelou-nos que o tempo não é apenas a sucessão dos nossos dias, mas a própria história do universo a desenrolar-se ao longo de milhares de milhões de anos. Para Sagan, o tempo é a grande narrativa cósmica da qual fazemos parte, e cada vida humana representa apenas um instante breve dessa imensidão.

A estes contributos juntou-se Carlo Rovelli, físico teórico italiano e notável escritor de ciência, muitas vezes apresentado como o novo Stephen Hawking. No seu livro A Ordem do Tempo, coloca questões decisivas: porque recordamos o passado e não o futuro? Existimos dentro do tempo ou é o tempo que existe dentro de nós? Com escrita clara e rigorosa, Rovelli mostra que, nos níveis mais fundamentais da realidade, o tempo esbate-se, revelando que a nossa perceção temporal depende tanto do cosmos como da estrutura da mente e das emoções que o interpretam.

Ao percorrer estes caminhos filosóficos, científicos e míticos, descubro que o tempo não passa apenas por nós, mas molda profundamente a nossa identidade. Talvez por isso o tempo de Natal assuma um significado tão particular e clarifique o essencial, tornando-se para muitos o tempo de todo o tempo.

Convido os leitores a perderem um pouco de tempo com a pergunta que deixo sobre o tempo:


 

Existirá realmente o tempo ou somos nós que o criamos para dar sentido ao mundo?

Eugénio Oliveira

Eugénio Oliveira

17 dezembro 2025