Estamos às portas do Natal!
As ruas enchem-se de gente, sobraçando lembranças, delicadezas, ternuras em embrulhos coloridos e enfeitados; e as montras de todas as lojas flamejam em catadupas de luzes multicolores, espicaçando a curiosidade e ansiedade da pequenada; como o rosto das pessoas vai ganhando mais disponibilidade e bonomia, enquanto a avozinha põe com ternura na lareira o fogo do passado (das pinhas resinosas, dos pinhões, das filhós, do arroz doce, das orelhas de abade, da missa do galo e das prendinhas no sapato).
E era uma vez uma mona de trapos (linda, linda, linda) e a saudade dos ausentes que virá no lugar vazio à mesa da Consoada, uma vez mais ou a primeira vez; e, então, será o tempo e o modo dos homens importantes e peitudos fazerem discursos inflamados de boas intenções, dando votos de boas festas e desejos de um bom e santo Natal a toda a gente.
Depois, aos governantes de Todo o Mundo hora é de lhes lembrar com veemência que:
Se Natal é ser irmão
É paz, amor e pão,
Ternura, reconciliação e perdão
Em cada lar, em cada coração…
Enquanto houver no mundo
Crianças a morrer cada segundo
De fome, guerra, doença e violentações
Não pode haver Natal nos corações!
Ou enquanto frequentemente houver
Um corpo prostituído, violado e vendido de mulher
Em nome de mais razão proclamada
Que é roupa, saúde, pão e habitação
Para o filho que está para nascer
Não pode nos corações Natal haver!
E se Natal é paz, ternura, amor e pão
Em cada lar, em cada coração...
Enquanto no mundo houver
Tanta gente cada segundo a morrer
Às mãos de um ideal, uma causa, uma ideologia
Ou por força do chauvinismo, do racismo, da xenofobia
E demais atos de ódios e confrontações…
Não pode Natal nos corações!
Ou, pior ainda, enquanto houver
Ausência de carinho, de amor e de esperança
Para toda a criança, todo o homem ou toda a mulher
Que ao nascer carente ou deficiente
Tem em si toda a razão de ser
Desigual e diferente nas suas volições
Não pode haver Natal nos corações!
E ainda enquanto houver escravos e senhores
Polícias e ladrões, oprimidos e opressores
E ricos e poderosos a esbaajar e os pobres nem sequer
Poderem as migalhas comer
Que sobram dos seus repastos aos montões…
Não pode haver Natal nos corações!
E se Natal é paz, amor e pão,
Ternura e comunhão em cada lar em cada coração
Daqui a oito dias, seguramente e tristemente nas nações
Não pode haver Natal nos corações!
Então, Santo Natal e até de hoje a três semanas.