“A monarquia vale por virtude própria, independentemente da figura que a encarna.”
Dr. João Pinto Ribeiro, conjurado de 1640
A questão a que hoje me proponho responder é a que enunciei e deixei à reflexão dos meus caros leitores na minha última crónica: “saber se a chefia de Estado monárquica, pela independência e tradição que garante, pela continuidade que proporciona e pela longa e específica educação que assegura ao príncipe herdeiro não asseguraria melhor a unidade do Estado e o bom funcionamento das instituições democráticas.”
Evidentemente que, antes do mais, se impõe uma declaração de interesses – como é do conhecimento público, sou monárquico desde os meus tempos de juventude; e a minha senescência, longe de modificar essa convicção, só a tem acentuado como clara evidência.
Dito isto, não achei melhor forma de iniciar o meu texto senão com uma citação do célebre jurista e conjurado de 1640, Dr. João Pinto Ribeiro que, com uma singular actualidade e lucidez, definiu a monarquia como uma daquelas instituições cujo valor reside menos na personalidade dos seus titulares e mais na solidez da própria instituição.
Ora, num tempo em que a República portuguesa dá patentes sinais de fadiga política, de empobrecimento simbólico e de perda de respeitabilidade, talvez valha a pena regressar ao essencial. E, nesse sentido, o processo eleitoral em curso para Belém é paradigmático.
Numa campanha marcada por uma catrozada de candidatos – há oito oficialmente admitidos – e por um número quase caricatural de debates – estão programados vinte e oito!... –, o que ressalta dos confrontos televisivos até agora realizados é a maledicência com que se tratam entre si, os temas fundamentais que se abstêm de abordar, como sejam a forma como se propõem exercer o poder de representação do Estado, interna e externamente, e o poder moderador (arbitragem política e magistratura de influência) que a Constituição lhes confere, em primeira linha, e o ruído e a sem-cerimónia com que tratam de questões governativas que manifestamente não são próprias do cargo presidencial.
E mais do que isso: quase todas as candidaturas emergem de aparelhos partidários, de percursos políticos profissionais e de velhas fidelidades ideológicas. Com raríssimas excepções, as diversas candidaturas são portadoras de uma história de militância, de alinhamentos, de compromissos e de dependências que, por si só, são susceptíveis de gerar desconfiança relativamente à independência e isenção do futuro exercício das respectivas funções de soberania.
O Presidente da República que deveria surgir como figura de unidade e de arbitralidade, continua a emergir, inevitavelmente, do seio da luta partidária.
O problema não é de qualidade individual. É estrutural. Num regime republicano, o chefe de Estado é quase sempre filho da política activa. Por mais respeitável que seja o seu percurso, jamais se consegue libertar completamente das alianças, das rivalidades e dos apoios recebidos.
Invariavelmente, acaba por ser parte da questão ou do conflito que deveria arbitrar.
É justamente neste ponto que a Monarquia constitucional oferece uma solução institucionalmente superior. O rei não governa nem concorre: simboliza e representa. Não depende de debates, sondagens ou maiorias conjunturais, garante continuidade. A sua autoridade não depende da vitória sobre metade do país ou da dimensão dessa vitória: garante a continuidade que resulta da instituição que encarna e que, por natureza, não divide, já que não é fruto de pugna eleitoral.
É também, por isso, que a hereditariedade, tantas vezes apresentada como anomalia democrática, deve ser compreendida como aquilo que verdadeiramente é - a excepção única dentro de um regime democrático, a excepção que confirma a regra. Na verdade, só retirando a chefia de Estado da luta eleitoral se impede que o árbitro seja simultaneamente jogador e que o símbolo da Nação seja capturado pelo jogo dos interesses, das estratégias e das conveniências.
Por consequência, a hereditariedade não é inimiga da democracia: defende-a, serve-a. O Rei e a Família Real são de todos. Não pertencem a ninguém.
Não é por acaso que os Estados mais antigos e estáveis do mundo, do Reino Unido ao Japão, mantêm uma chefia monárquica no seio de democracias maduras, pluralistas e profundamente livres.
Longe de ser um vestígio do passado, a monarquia é aí fator de estabilidade, continuação histórica, unidade, independência e moderação institucional, num tempo dominado pela volatilidade política.
Portugal conhece bem essa experiência. A sua identidade política nasceu sob uma coroa e sob ela se consolidou como Nação independente, há quase novecentos anos.
João Pinto Ribeiro compreendeu-o admiravelmente. Há instituições que valem por virtude própria. Não por serem infalíveis ou perfeitas. Mas por protegerem melhor o país das inevitáveis imperfeições e contingências humanas.
A monarquia constitucional é uma dessas instituições. Não depende do brilhantismo ocasional de uma pessoa, mas da força discreta da continuidade que ampara o regime democrático em vez de o fragilizar.
Por isso, defendo que se altere o artigo 288º da Constituição que consagra como limite material de revisão a forma republicana de governo. Nada justifica que se retire ao povo o direito de decidir aquilo que apenas à soberania popular pertence.
É precisamente em nome da liberdade e da democracia que o 25 de Abril restituiu aos portugueses que esta questão pode e deve ser colocada, sem dogmas nem interditos. Uma democracia adulta não teme perguntas fundamentais. Enfrenta-as.