1. Há poucos dias a Assembleia da República, por iniciativa do CDS-PP, comemorou o 25 de Novembro. Mas a data que permitiu o restabelecimento da liberdade e a consagração plena daquilo que o 25 de Abril se propunha implantar, ou seja um Estado de Direito democrático, continua a causar incómodo a quem tem da democracia uma visão fechada. Creio assim que valerá a pena recordar o que vigorava até ao 25 de Novembro de 1975, para podermos reflectir e retirar as nossas conclusões. E isto pela simples razão de que a ausência de memória não pode nunca ser alibi para a distorção da verdade.
Vamos, pois, aos factos:
i) A 13 de Abril de 1975 foi assinado um documento entre o General Costa, Presidente da República e representantes dos seguintes partidos políticos: PS, PPD, PCP, CDS, MDP-CDE e FSP (Frente Socialista Popular). A esta lista somar-se-ia algum tempo depois a AOC (Aliança Operária Camponesa). Esse documento, designado de “Plataforma de Acordo Constitucional” também conhecido por “Pacto MFA-Partidos”, resultava da vontade expressa do MFA – representado pelo Conselho da Revolução – e traduzia uma clara e assumida vontade do MFA em participar no processo político, nomeadamente no que deveria constar na futura Constituição.
ii) De acordo com as suas páginas, os partidos subscritores, uma vez eleitos para a Assembleia Constituinte, estavam obrigados – durante o que foi chamado “período de transição” e que poderia durar entre três e cinco anos – ao seguinte:
- A aceitar que o futuro Presidente da República fosse eleito por um colégio eleitoral “constituído pela Assembleia do MFA e Assembleia Legislativa”, sendo que a primeira tinha 240 membros e a segunda 250.
- A aceitar que o Conselho da Revolução, definido como órgão de soberania, a par do Presidente da República, da Assembleia do MFA, da Assembleia Legislativa, do Governo e dos Tribunais, pudesse “decidir com força obrigatória geral sobre a constitucionalidade das leis e outros diplomas legislativos”; pudesse “apreciar e sancionar os diplomas legislativos” que incidissem sobre um imensurável conjunto de matérias políticas; fosse ouvido quer na escolha do Primeiro-Ministro, quer na escolha dos Ministros da Defesa, da Administração Interna e do Planeamento Económico, uma vez que estes ministros tinham de ser “obrigatoriamente da confiança do MFA”.
Na prática tínhamos o poder político totalmente submetido ao poder militar revolucionário, ou seja, tínhamos a vontade política, mesmo a que expressasse a vontade do voto, condicionada à vontade de quem controlava as Forças Armadas (tudo o que acabo de afirmar está documentado e pode ser confirmado no livro do Professor Jorge Miranda, “Fontes e Trabalhos Preparatórios da Constituição”, volume I, da Imprensa Nacional-Casa da Moeda).
2. Ora apesar do contexto objectivamente descrito, a época anterior ao 25 de Novembro fica ainda marcada pelo cerco à Assembleia Constituinte e pela tentativa de um golpe militar, ocorrida no próprio dia 25 de Novembro, que no dizer de alguns permitiria apressar a revolução e instituir a «sociedade socialista». Descontentes e inconformados com o resultado das eleições constituintes, como lembrou recentemente na TSF a antiga Vice-Presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, os «revolucionários» quiseram substituir a vontade eleitoral pela autodefinida «vontade popular». Significa isto, ao contrário do que alguns afirmam, que o dia 25 de Novembro começa com o golpe de quem quer acabar com a democracia e termina com um contragolpe que tem como único objectivo a sua preservação. Jaime Neves e os seus Comandos, Ramalho Eanes e todos os que o acompanharam, não quiseram pôr fim ao 25 de Abril, quiseram apenas que ele tivesse continuidade longe de derivas totalitárias que em nada correspondiam ao desejo da esmagadora maioria dos portugueses. E se há cidade que bem compreende o que acabo de dizer, essa cidade é Braga pela coragem que muitos dos seus manifestaram em nome da liberdade.
3. Em face do que fica dito, não faz quanto a mim qualquer sentido a reacção manifestada contra as comemorações do 25 de Novembro. É certo, há que afirmá-lo, que é a reacção típica dos herdeiros de quem tudo perdeu, ou seja, dos deserdados políticos. Na realidade, e como já referi anteriormente, estes deserdados políticos são a continuidade daqueles que quiseram substituir e subjugar a democracia representativa pela chamada democracia popular. Perderam! E ainda bem que perderam, porque se tivessem vencido jornais como o “Diário do Minho” não poderiam ter continuado a existir e não existindo não poderiam permitir a liberdade de opinião como aquela que agora manifesto.
4. E por falar em liberdade de opinião, uma breve nota sobre as próximas eleições presidenciais. Como por certo alguns dos leitores sabem declarei recentemente na SIC-Notícias que não sentia entusiasmo com essas mesmas eleições. Infelizmente ainda assim me mantenho, mas com a esperança, ainda não perdida, de poder alterar a minha circunstância. Como nunca fui tentado pelo chamado “voto útil”, nem nunca me senti inclinado para o “voto negativo”, espero que os próximos debates possam inverter a condição em que me encontro. Termino desejando aos colaboradores do “Diário do Minho” e a todos os seus leitores, um Santo Natal e um Bom 2026.