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Por Entre Linhas e Ideias

Quanto tempo vale a pena esperar? Dezembro entra-nos pela porta adentro com o frio húmido do Minho e, à medida que avança, percebo que há perguntas que só este mês sabe fazer, talvez porque reúne o que mais nos marca e desperta memórias que permaneceram adormecidas ao longo do ano. No regresso às nossas raízes, o Natal aproxima-nos da família, das luzes e dos gestos simples, mas também evoca a saudade de quem já não se senta à mesa. Este é um tempo que mistura o que temos com o que perdemos e que, pela própria ideia de nascimento e renovação que o Natal transporta, nos convida a olhar para dentro, a recordar o que ficou e a reconhecer o que ainda vive em nós. É justamente nesse encontro entre presença e ausência que a saudade se revela.

É deste sentimento que vos quero falar, tão enraizado na alma portuguesa e tão inevitável nesta altura do ano, porque sei, pela minha própria experiência, como ele regressa sempre que dezembro se aproxima. Talvez seja assim porque crescemos habituados ao mar que leva e traz, ao fado que dá voz ao que sentimos e às despedidas que marcaram tantas famílias, e por isso compreendemos a saudade sem precisar de a definir, apenas pela força com que ela nos acompanha. O poeta Teixeira de Pascoaes dizia que “saudade é a memória que deseja” e, sempre que dezembro chega, sentimos essa verdade com mais clareza, porque a memória parece avançar ao encontro do que já não está e, ao fazê-lo, desperta em nós esse desejo que não desaparece. É também por essa razão que Vergílio Ferreira, escritor e pensador português do século XX, aprofundava esta ideia ao afirmar que “o que dói na saudade é o que permanece”, lembrando-nos de forma tão certeira que há presenças que continuam vivas no silêncio que deixaram. Talvez seja por isso que, neste mês, os nossos leitores se detenham tantas vezes nas memórias que continuam a acompanhar a vossa vida, mesmo quando já não pertencem ao presente imediato, como se dezembro lhes devolvesse a voz que julgavam esquecida.

Ao pensar na saudade, gosto de recorrer à tradição mitológica grega e surge inevitavelmente o mito de Orfeu e Eurídice, que exprime com clareza essa tensão entre presença e ausência. Orfeu desce ao mundo dos mortos para recuperar Eurídice e recebe permissão para o fazer desde que não olhe para trás enquanto sobem à luz, mas, dominado pela dúvida, volta-se antes do tempo e perde-a para sempre. Este mito recorda-nos que há presenças que se afastam fisicamente, embora permaneçam vivas na memória e no coração.

Como o mito não é logos, precisamos de ouvir a filosofia para compreender melhor esta experiência da saudade. Henri Bergson, filósofo francês do início do século XX, dizia que “a memória prolonga o passado no presente” e talvez seja por isso que dezembro e o Natal despertam em nós um tempo que continua vivo dentro da nossa própria história. A saudade não é apenas recordar, é reviver de modo íntimo aquilo que marcou a nossa vida. Outro filósofo, Martin Heidegger, ajuda-nos a aprofundar esta ideia ao afirmar que o ser humano é “ser-no-tempo”, mostrando que a presença não depende apenas do corpo, mas do lugar que alguém ocupa na nossa existência. Assim percebemos que algumas ausências continuam connosco, porque existir não é apenas estar fisicamente, é permanecer na lembrança de quem nos quer bem.

Quero ainda trazer para a nossa mesa de conversa dois pensadores portugueses que refletiram profundamente sobre este tema. Eduardo Lourenço, no livro O Labirinto da Saudade, via neste sentimento uma marca da nossa identidade coletiva, uma espécie de espelho onde Portugal se reconhece. Para ele, a ausência não apaga, prolonga. Também recordo Agostinho da Silva, um dos filósofos que mais aprecio, onde encontramos a ideia de que a saudade é uma força que liga o que fomos ao que ainda podemos vir a ser. Ambos mostram que a saudade não nos prende ao passado, acompanha o que vivemos e dá sentido ao que guardamos.

Dezembro também olha para o futuro com esperança, lembrando-nos que este mês é tempo de Advento, um tempo que fala de nascimento e renovação. É nesse espírito que as palavras do filósofo dinamarquês Kierkegaard ganham mais propósito, pois ele recorda que “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”. Por isso, convido-vos a viver esta época com o coração aberto, reconhecendo o valor de quem já partiu e de tudo o que fomos, mas permitindo também que a alegria do presente seja uma realidade. Trinquemos então a rabanada, ergamos o copo de vinho verde e deixemo-nos celebrar com quem está aqui agora, porque é assim que a vida continua.

Caros leitores, não fiquem indiferentes a este dezembro que muitas vezes faz surgir a memória de quem marcou a nossa vida, e é por isso que a pergunta que vos deixo nos leva para um diálogo interior:


 

A saudade é também uma forma de amar?

Eugénio Oliveira

Eugénio Oliveira

3 dezembro 2025