Apesar de o dia 4 de dezembro ser, no Santoral da Igreja Católica, dedicado a S. João Damasceno, não deixa de ser também o dia de Santa Bárbara, cuja vida só conhecemos a partir das tradições hagiográficas (relatos de santos), por não haver registos históricos diretos.
Bárbara é um nome de proveniência grega, cujo significado é “estrangeira” ou “a que vem de fora”. Os gregos usavam este termo para designar as pessoas que não falavam a sua língua e, por isso, eram por eles considerados de civilização inferior, sentido que, aliás, prevaleceu até aos dias de hoje. Com o tempo, este nome foi ganhando sentidos mais positivos e até simbólicos: mulher forte, corajosa e indomável. Se tomado no primeiro sentido, esta mulher era, de facto, Bárbara, mas só de nome; se usado no segundo sentido, o nome ajusta-se bem àquilo que foi a sua vida.
Bárbara terá nascido por volta de 280, provavelmente em Nicomédia1, na região da Bitínia, nas margens do Mar de Mármara (atual Turquia). Há, contudo, quem defenda que é natural da Síria. Por ser filha única, bela e rica, Dióscuro, o pai, homem rico e severo, mantinha-a isolada numa torre, evitando assim que tivesse contacto com o mundo. Dióscuro mandou fazer duas janelas na torre, mas, entretanto, teve que partir de viagem. Bárbara mandou abrir mais uma janela. Instada a justificar esse procedimento, explicou que o fez tendo em conta a sua fé na Santíssima Trindade. Além disso, havia esculpido uma cruz na fronte.
Não lhe faltando pretendentes para casar, Bárbara sempre os enjeitou. Pensando que tal acontecia pelo facto de a ter mantido fechada por muito tempo, o pai deixou-a sair para conhecer a cidade. Terá sido nessa altura que Bárbara conheceu o cristianismo, se converteu e foi batizada em segredo.
Quando descobriu que a filha havia aderido ao Cristianismo, o pai denunciou-a a Martiniano2. Torturada por se recusar a renunciar à fé, acabou condenada à morte por degolação. Tal terá acontecido no dia 4 de dezembro (talvez do ano 317), motivo pelo qual se celebra neste dia. Consta que, durante a sua tortura na praça pública, uma jovem cristã, de nome Juliana3, denunciou os nomes dos carrascos e, por esse motivo, foi presa e entregue à morte juntamente com Bárbara. Refere a tradição que ambas foram levadas pelas ruas de Nicomédia, por entre os gritos de raiva da multidão. De seios já cortados, Bárbara foi levada para fora da cidade e aí foi degolada pelo próprio pai.
A tradição refere que, quando a cabeça de Bárbara rolava pelo chão, um forte trovão se fez ouvir e um relâmpago, flamejando pelos ares, atingiu Dióscuro, mantando-o. É seguramente por esse motivo que ela aparece ligada às trovoadas e tempestades. Foi durante a Idade Média que aconteceu esta ligação, passando Santa Bárbara a ser invocada contra as descargas elétricas e as tempestades. Tornou-se também protetora de profissões ligadas a fogo e explosivos (artilheiros, mineiros, bombeiros e pirotécnicos), razão pela qual muitos quartéis e minas possuem capelas a ela dedicadas.
Ainda hoje, é conhecida, na tradição popular, como uma santa poderosa em momentos de perigo e, sobretudo, nas tempestades. Daí ser frequente ouvir-se a expressão “Santa Bárbara nos proteja” ou ainda “Só te lembras de Santa Bárbara quando troveja”, para se referir a quem só invoca Deus quando precisa.
A representação iconográfica desta santa é variada: uma torre com três janelas, aludindo ao lugar onde teria sido aprisionada; uma espada, como símbolo da sua decapitação; um cálice com hóstia, sugerindo a sua fé e fortaleza espiritual; um raio ou nuvens de tempestade, evocando a forma como terá morrido aquele que a matou.
A nossa cidade de Braga dedica a esta santa o seu mais famoso e belo jardim, situado nos domínios do antigo Paço Arquiepiscopal e assim desenhado em 1955. A fonte central, encimada por uma imagem de Santa Bárbara, com a palma do martírio numa mão e a torre de três janelas na outra, é do século XVII. Proveio do antigo Convento dos Remédios, demolido em 1911, e foi aí colocada durante a reorganização moderna do jardim, dando o nome àquele espaço.
Independentemente da maior ou menor veracidade das fontes em que se apoia a narrativa sobre a vida de Santa Bárbara, não podemos deixar de afirmar a sua plausibilidade, tendo em conta que, nos finais do século III e inícios do século IV da era cristã se desencadeou uma violenta perseguição aos cristãos, em que muitos milhares deram a vida pela fé. Bárbara teria sido um desses casos.
* Professor na Faculdade de Teologia – Braga e Pároco de Prado (Santa Maria)
1Na atualidade, a cidade chama-se Izmit.
2Martiniano (em latim, Sextus Marcius Martinianus) foi um oficial coimperador de Licínio, que reinou entre 308 e 324). Inicialmente, era mestre dos ofícios na corte de Licínio, até que foi nomeado Augusto (ou César, segundo fontes literárias), após o desastre da Batalha de Adrianápolis, em 324.
3Trata-se de Santa Juliana de Nicomédia, uma jovem cristã de família pagã que foi decapitada nos inícios do século IV, aquando da perseguição de Diocleciano. Aparece representada segurando uma corrente ou um demónio acorrentado, aludindo ao episódio em que vencera o maligno, mantendo-se firme na fé. A sua festa litúrgica ocorre no dia 16 de fevereiro.