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Uma Utopia muito mundana

Em 2023, a Câmara Municipal de Braga decidiu extinguir a Feira do Livro e substituí-la com a criação de um Festival Literário, o “Utopia”, apresentado com a ambição de se tornar no maior evento literário do país e uma referência internacional. Com a sua terceira edição agora a findar, a iniciativa tem sido, até ao momento, um claro falhanço.

Desde logo, é pouco compreensível que, perante a pobre cena cultural bracarense, não tenha sido encontrada uma solução que permitisse a coexistência do Festival e da Feira do Livro, em momentos distintos do calendário e com objetivos (e públicos) diferentes.

Ainda assim, a ideia de um Festival Literário em si mesma é positiva e seria, em abstrato, um bom passo no caminho de colocar a nossa cidade como uma com um cartaz cultural proporcional ao seu tamanho e à sua importância no país.

Contudo, a prática não tem ido de encontro das promessas, com uma oferta que não acrescenta o suficiente e, acima de tudo, como uma enorme incapacidade de criar um envolvimento da cidade com o festival. 

À grande maioria dos bracarenses, o Utopia vem e vai sem sequer se aperceberem que por cá passou. As razões são variadas e vão para além do cartaz. E, uma que merece devido destaque é a localização das atividades. Não que os espaços que recebem o Utopia não sejam agradáveis, que o são, mas porque são elitistas, faltam eventos em locais frequentemente utilizados pelo cidadão comum, só assim se pode abrir o festival a toda a cidade.


 

O exemplo de 2025

O cartaz para a edição deste ano é um bom exemplo de como o que está a ser feito não é suficiente para fazer deste festival uma referência. O nome principal foi Abdulrazak Gurnah, Prémio Nobel da Literatura em 2021, uma boa escolha, mas que sabe a muito pouco.

Precisamos de trazer com mais frequência nomes de referência cultural a Braga e ter por cá um Nobel da Literatura é um bom começo. Contudo, é simbólico do espírito paroquial de quem organiza o certame e do quão pouco habituados estamos a ter figuras de relevo na nossa cidade que achemos que um só nome, ainda para mais não tão conhecido do grande público, é suficiente para tornar este num evento de referência.

Que fique bem claro que não chega. Se as promessas que nos foram feitas são reais e a vontade de fazer do Utopia uma referência é real, não será com um só autor internacional reconhecido acompanhado de “prata da casa” que isso vai acontecer.


 

O erro do foco na literatura infantil

Outro ponto de difícil compreensão é a aposta numa programação tão focada na literatura infantil, que constitui um dos grandes troncos da atual configuração do festival. Ora, esta é uma opção que faz muito sentido neste tipo de evento, ou o festival é de literatura de adulto ou infantil, esta incapacidade de escolher demonstra uma preocupante falta de rumo, como se o mais importante fosse fazer para dizer que se fez e não com um propósito definido.

De facto, este é o tipo de programação que é própria de uma Feira do Livro e não de um Festival Literário (uma crítica generalizada a muito do que acontece se olharmos para a programação do Utopia). Por isso, é que era importante manter os dois eventos, porque o incentivo à leitura dos mais jovens é importante, mas deve ser feito com eventos no contexto apropriado.


 

Reinventar, envolver e dar à cidade o Festival que merece

Tudo isto para dizer que, até ao momento, o Utopia tem sido semelhante a muito do que se passa na nossa cidade, potencial à vista de todos, mas claramente subaproveitado.

Por isso, é tempo de mudar, aproveitar uma ideia prometedor, numa data com pouca concorrência, para realmente fazer desta uma referência em Braga e de Braga para o exterior.

Esperemos agora que o novo executivo municipal saiba ajudar a reinventar o nosso Festival Literário, garantindo que este tem as condições para ser um evento que atraia para Braga quem gosta da leitura e que o promova e envolva na cidade, para que, mais do que o básico (ainda por cumprir) de que os cidadãos saibam que está a decorrer o festival, os bracarenses sintam que, a cada novembro, algo de grande e de importante se passa na sua cidade.

José Baptista

José Baptista

25 novembro 2025