Na recente entrevista televisiva, o candidato presidencial do PCP, António Filipe, afirmou que “os lucros são salários tirados aos trabalhadores”. A frase, construída para funcionar como slogan, não sobrevive a uma análise económica séria. A ideia ignora que os empresários, para além dos salários que pagam, assumem risco, investimento e, muitas vezes, perdas. Se aceitássemos o raciocínio simétrico, então os salários também seriam “rendimentos retirados ao empresário”, o que demonstra o absurdo lógico da formulação.
A afirmação tem, porém, um objetivo ideológico claro: reforçar a visão de que a riqueza produzida é sempre apropriada injustamente pelo capital e que cabe ao Estado corrigir essa alegada “injustiça estrutural”, assumindo-se ele como o Empresário. Não surpreende, portanto, que António Filipe defenda um Estado mais interventivo, mais empresarial e com maior controlo sobre os fluxos económicos. Mas esta visão conduz a um dilema clássico que se sintetiza com atualidade na frase “Sou contra a exploração do homem pelo homem; mas também sou contra a exploração do homem pelo Estado”, que nos devolve a importância de encontrar um equilíbrio entre liberdade económica, proteção social e responsabilidade política.
É precisamente aqui que o debate sobre o 25 de novembro de 1975 ganha relevância. O nível da sua comemoração divide opiniões, entre a esquerda e a direita mas o seu significado é indiscutível: foi o momento em que Portugal rejeitou a deriva de tutela política e económica total do Estado e reafirmou a construção de uma democracia plural, com iniciativa privada, liberdade sindical e sociedade civil autónoma. Recordar o 25 de novembro não é negar abril, mas sim lembrar que as liberdades políticas e económicas não são incompatíveis – pelo contrário, dependem uma da outra.
Rejeitar o comunismo – modelo político totalitário, cuja história soviética regista um regime que substituiu a iniciativa privada, por um sistema oligárquico pertencente aos dirigentes do partido, que viviam na maior riqueza tendo como contraparte um povo oprimido e miserável – foi obra do 25 de novembro. Daí que se perceba a posição muito incómoda dos comunistas portugueses quanto à comemoração dessa data, mas não se entendendo a posição dos socialistas democráticos, como aqueles que lideram o PS nestes tempos.
Sá Carneiro afirmava profeticamente em 1978 – basta lembrar o que causou a intervenção externa da “troika” –: "Não há futuro económico e social possível quando o problema principal é… o excesso de consumo público, a monstruosidade das despesas públicas; a sua frase “… Não se pode ser liberal em política e totalitário em economia”, mantém plena conformidade.
Este enquadramento histórico torna ainda mais pertinente a discussão atual sobre a flexibilização do mercado de trabalho e as “100 medidas” apresentadas pelo Governo. Portugal enfrenta problemas sérios: baixa produtividade, fraco investimento privado, rigidez regulatória e dificuldades de adaptação a um mercado global em rápida mudança. Flexibilizar não significa precarizar; significa permitir que empresas contratem com menos medo e que trabalhadores mudem de emprego com mais segurança. Significa reduzir entraves administrativos, promover formação contínua, incentivar inovação e, sobretudo, criar condições para que o país não continue preso ao ciclo de baixos salários e baixa qualificação.
A greve marcada para 11 de dezembro surge neste contexto de tensão. Muitos trabalhadores temem que flexibilização signifique perda de direitos – e essa preocupação é legítima. Mas Portugal não pode crescer se mantiver a economia aprisionada entre a desconfiança ideológica e o imobilismo institucional. A proteção laboral deve ser garantida, mas não pode impedir que as empresas se adaptem. E se a liberdade económica deve ser preservada, não pode justificar abusos. A verdadeira justiça social nasce do equilíbrio – não da supremacia de um polo sobre o outro.
O debate sobre o mercado de trabalho, as reformas governamentais e a greve exigem pragmatismo, responsabilidade e memória histórica. O 25 de Novembro recorda-nos que Portugal escolheu ser uma democracia aberta, tolerante e plural. Honrar essa escolha significa rejeitar as caricaturas ideológicas e procurar soluções concretas, capazes de garantir prosperidade a quem trabalha, incentivos a quem investe e estabilidade a quem governa.