Que dia comemorativo da UNESCO se assinala amanhã, dia 20 de novembro? A maioria hesitará, e alguns consultarão o smartphone como se ele fosse o novo oráculo de Delfos, mas a resposta é simples: celebra-se o Dia Mundial da Filosofia. É um dia criado para lembrar que este saber antigo, que lançou as bases do pensamento ocidental, continua vivo e que é mais importante do que nunca preservar a sua presença na escola, na sociedade e na vida. A filosofia não deve ser vista apenas como uma disciplina escolar, mas como uma ferramenta pedagógica poderosa que nos ensina a pensar, a questionar, a comunicar e a viver com mais consciência.
Há dias em que acordo e penso que a filosofia talvez esteja a perder terreno, porque o meu smartphone parece ter resposta para tudo e ainda por cima fala com uma segurança que qualquer professor invejaria. No entanto, basta um pequeno momento de lucidez para perceber que, apesar de tantas funcionalidades, o telemóvel não me ajuda com aquilo que realmente importa. Ele calcula passos, calorias e até batimentos cardíacos, mas não sabe orientar os passos da vida, não mede a qualidade das escolhas e muito menos traduz aquilo que sentimos. É aí que percebo que, por mais moderno que seja o aparelho, continua sem oferecer aquilo que a filosofia sempre ofereceu, a possibilidade de pensar com calma quem somos e para onde queremos ir. Talvez seja por isso que a UNESCO decidiu que a filosofia merece um dia mundial, não para resolver problemas, mas para relembrar que há perguntas que só valem a pena porque não têm solução.
Muitas vezes recordo a ironia de Jacques Derrida quando afirmava que “a filosofia é tão necessária quanto inútil”, frase que me acompanha sempre que alguém me pergunta para que serve tudo isto. Aristóteles lembrava que a filosofia nasce do espanto e talvez seja essa a melhor resposta, porque o espanto é a força que nos obriga a pensar e a olhar o mundo com outra profundidade. A filosofia pode parecer tão inútil como respirar fundo quando estamos nervosos, pois não resolve o problema, mas resolve-nos a nós, ajudando-nos a regressar ao centro e a reaprender a pensar, a duvidar, a imaginar e a não aceitar tudo de forma irrefletida.
E como se celebra o Dia Mundial da Filosofia? Com flores? Com velas? Com descontos especiais em dúvidas existenciais? Nada disso. Celebra-se com perguntas que não aparecem nos motores de busca e com conversas que nascem quando abrimos espaço para pensar de verdade. E porque o Dia Mundial da Filosofia também pede um exercício prático, deixo um desafio estoico que até podia vir instalado de origem em qualquer telemóvel moderno. Epicteto lembrava que “não são as coisas que nos perturbam, mas as opiniões que temos sobre elas”, e é por isso que os estoicos praticavam a premeditatio malorum, esse hábito simples de imaginar o pior para perceber que, quando o encaramos com calma, ele perde grande parte do seu poder. Talvez este exercício discreto seja mais eficaz do que todas as aplicações juntas.
Ao longo desta semana e da próxima, vou percorrer o país em palestras, oficinas e workshops, procurando mostrar aos alunos que a filosofia não é uma figura distante nem um saber solene reservado a ocasiões especiais. Pelo contrário, é uma presença discreta e constante que nos ajuda a olhar o outro com mais atenção, a comunicar com menos atropelos, a pensar antes de disparar opiniões e, sobretudo, a discordar sem transformar a conversa num pequeno drama épico digno de tragédia grega.
No panorama desta construção conjunta em torno do pensamento, há instituições que merecem ser destacadas, e uma delas é a APEFP - Associação Portuguesa de Ética e Filosofia Prática. Ao longo dos últimos anos, esta associação bracarense, tornou-se uma verdadeira referência nacional na defesa do valor da filosofia, dando-lhe nova visibilidade e promovendo projetos que vão do pré-escolar ao ensino secundário. Tem sido uma voz firme na importância do pensamento crítico e uma presença constante na divulgação de práticas pedagógicas que aproximam crianças e jovens da reflexão filosófica, mostrando que aprender a pensar é um caminho que se inicia muito cedo e que se prolonga por toda a vida.
Convido os nossos leitores a fazer do Dia Mundial da Filosofia uma oportunidade para trazermos o pensamento de volta ao centro das nossas conversas, das nossas mesas, das nossas escolas e das nossas vidas. E porque a filosofia só ganha sentido quando é partilhada, deixo uma pergunta simples, mas exigente:
Queremos realmente a filosofia connosco ou continuaremos a vê-la como um luxo dispensável?