A propósito do Dia Internacional da Bondade1, ocorrido na passada quinta-feira, 13 de novembro, dei por mim a refletir sobre um tema que me é muito caro, de há uns bons anos a esta parte: a bondade. E por duas razões: primeiro, porque me faz bem conviver com pessoas bondosas; segundo, porque me parece que, face à fragilidade da condição humana, só a bondade é capaz de suster uma certa tendência do ser humano, que chega a parecer inata, para a maldade. Apesar disso, a maldade não é uma fatalidade, como se depreende das palavras do Apóstolo Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12, 21).
Se Deus é a sua fonte (Sl 145, 9: “O Senhor é bom para com todos”) e se ela é fruto do Espírito (cfr. Gl 5, 22), então “a bondade é como um paraíso de bênção e a misericórdia permanecerá eternamente” (Sir 40, 17). Além disso, é pela bondade que o ser humano se aproxima do divino, ultrapassando todas as barreiras (de religião, de etnia ou de conveniência), agindo quando ninguém espera e até dispensando que alguém esteja a ver2. O exemplo bíblico mais eloquente de quanto agora se afirmou é Lc 10, 29-37 (parábola do bom samaritano).
Partindo do princípio que a bondade é o reflexo da paz que habita dentro de nós, como é importante cultivar a paz interior! Mas “a bondade é (também) o sol onde a virtude cresce” (Robert Green Ingersoll). Por isso, tenho para mim que ela é uma das virtudes mais importantes e, ao mesmo tempo, das mais transformadoras. Talvez por isso José Saramago tenha afirmado: “O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta”. E Ludwig van Beethoven parece dizer o mesmo por outras palavras: “Não reconheço outra grandeza que não seja a bondade”. Não exige riqueza, nem poder, nem genialidade, apenas a escolha consciente de agir com empatia, respeito e generosidade.
Na base de todas as outras virtudes, a bondade anda de mãos dadas com todas elas. A título de exemplo, podemos dizer que é sinal de sabedoria, pois “a única sabedoria verdadeira é a bondade” (Jean-Jacques Rousseau); e tem muito a ver com a gratidão, dado que “o bem é farto quando o coração é grato” (Ibrahim Ossame).
Dado que “a bondade em palavras cria confiança; a bondade em pensamento cria profundidade; a bondade em dádiva cria amor”, dela se retira o que de melhor podemos desejar para a vida. Discreta e silenciosa, a bondade é capaz de gerar ondas que vão muito para além de um gesto inicial: alivia a dor, restaura a fé e inspira outros a fazerem o mesmo. Nasce da compreensão de que todos partilhamos a mesma fragilidade humana, reconhece a dignidade do outro, age em conformidade e, por isso, não busca a recompensa ou o reconhecimento. Ser bondoso e viver nesse registo é, já de si, a melhor das recompensas.
É importante, contudo, lembrar que a bondade não é submissão nem ingenuidade, não significa dizer “sim” a tudo, calar-se sempre ou deixar-se calcar. Por vezes, o gesto mais bondoso é colocar um limite claro, é dizer uma palavra honesta ou um “não” respeitoso. Há circunstâncias em que a bondade tem limites, mesmo se “nenhum ato de bondade, por menor que seja, é desperdiçado” (Esopo)!
Ser bondoso é reconhecer a dignidade do outro e agir em conformidade. Porém, “só somos bons enquanto os vizinhos deixarem”, diz o povo. É por isso que a bondade exige esforço e empenho, dado que são muitas as circunstâncias que a condicionam e pretendem até asfixiá-la. Impõe-se lutar contra a maldade e abrir caminho à bondade. A propósito, Johann Goethe deixou um dos melhores e mais úteis conselhos: “Seja um homem nobre, caridoso e bom. São as únicas coisas que o distinguem dos demais seres”. Continuo a pensar que escolher a bondade é estar do lado certo da história. E o melhor que nos poderá acontecer, na hora de partir deste mundo, é poder afirmar como Albert Einstein: “os ideais que iluminaram o meu caminho são a bondade, a beleza e a verdade”.
Se o que acabei de escrever é um elogio à bondade, o melhor elogio que lhe podemos fazer é deixarmo-nos conduzir por ela e espelhá-la em todos os momentos e circunstâncias do nosso viver. É assim que a luz da bondade se sobrepõe às trevas da maldade.
* Professor na Faculdade de Teologia – Braga e Pároco de Prado (Santa Maria)
1 Foi em 1998 que teve lugar em Tóquio a primeira conferência do Movimento Mundial pela Bondade (World Kindness Movement). O objetivo era “criar um mundo mais bondoso e pleno de compaixão”. Atualmente, o Dia Mundial da Bondade celebra-se em vários países do mundo, havendo, nalguns deles, o costume de nele oferecer flores a conhecidos e a desconhecidos.
2 A propósito, recordo a afirmação atribuída duvidosamente a Mark Twain: “a bondade é a linguagem que o surdo pode ouvir e o cego pode ver”.