De vez em quando vemos surgirem nas notícias com referência a que uma determinada investigação – ato de busca, abertura de processo, aparato de polícia – se deu devido a uma tal ‘denúncia anónima’, como se esta fosse – numa leitura simplista e talvez ofensiva – o método mais eficaz de entalar alguém só porque não lhe agrada o vizinho ou porque tem contas a acertar com alguma zanga, suspeita ou mal-entendido…
1. Que credibilidade merece essa designada ‘denúncia anónima’? Vale mais quem se esconde do que quem se deixa ver? Não será este uma espécie de novo método pidesco mais ou menos legal ou quase legalizado? Não poderemos estar todos sob a alçada ou na mira da ‘denúncia anónima’, deixando em pantanas toda a nossa vida? Os proponentes da ‘denúncia anónima’ não passam de bufos sem rosto nem coragem, assemelhando-se a cobardes sem identidade? Por que temos ouvido falar mais insistentemente deste assunto da ‘denúncia anónima’ que dá azo (ou pode causar) a processos, por vezes, lesivos da idoneidade dos atingidos? Será que, algum de nós, por mais bom cidadão que se sinta, está descartado de poder ser vítima de uma ‘denúncia anónima’ mais básica, inesperada ou ignóbil? Que paralelo podemos traçar entre uma ‘denúncia anónima’ (dos nossos dias e tempos) com o levantar de uma ‘fama’ (aleivo ou perjúrio) de outras épocas?
2. Para entendermos este assunto da ‘denúncia anónima’ consultei, através da internet, as fontes da polícia judiciária, onde encontramos a seguinte definição descritiva:
A comunicação ‘denúncia anónima’ consiste numa forma de fazer chegar às autoridades competentes informação sobre a preparação ou o cometimento de crimes cuja denúncia possa pôr em risco a segurança do cidadão que transmite a notícia, ou a segurança de terceiros. Desse modo, para as situações que careçam de participação criminal do ofendido a ‘denúncia anónima’ não é uma queixa-crime. Caso pretenda apresentar uma queixa-crime poderá fazê-lo em qualquer serviço de polícia ou do ministério público, ou em alternativa através da página eletrónica da Polícia Judiciária, mediante a utilização da funcionalidade queixa eletrónica. Após submeter a ‘denúncia anónima’ a mesma será processada assim que possível, não sendo por isso o meio adequado para recorrer com urgência às autoridades. Em caso de urgência deverá contatar o serviço de piquete da Polícia Judiciária da área mais próxima. Ao preencher a ‘denúncia anónima’ deverá preencher todos os campos disponíveis, pois só desse modo a poderá submeter.
3. Diante deste articulado das autoridades policiais torna-se importante atender às razões e às consequências da ‘denúncia anónima’ no trato das pessoas de umas com as outras. Num tempo em que impera a desconfiança, em que como que se cultiva o medo e até se vive numa crescente arrogância nos comportamentos pessoais e familiares, sociais e políticos… torna-se essencial não nos deixarmos condicionar, senão mesmo manipular pela ‘denúncia anónima’ mais pidesca do que o regime que antecedeu a pretensa democracia.
4. Efetivamente ser denunciado por alguém de quem não se conhece a identidade – talvez só as autoridades policiais – e de quem não nos podemos defender é algo extremamente grave para que não tentemos que este método não conte como início de investigação seja a quem for. Fazer de conta que isso só atinge os outros é pôr-se a jeito para que possamos ser alguma das próximas vítimas. Pela salvaguarda da verdade e, sobretudo, da presunção de inocência, será urgente que a ‘denúncia anónima’ não possa contar como acusação sem rosto nem de falta de possibilidade de defesa…
5. Infelizmente, tendo em conta os casos de ‘abusos sexuais’ (dentro e fora da Igreja), houve muito alarido na hora de exposição da ‘denúncia anónima’ e pairou um silêncio atroz na hora de serem ilibados… Quando se fará justiça aos pretensos réus?