Nas festas de aniversário, soltamos, entre outros desejos, repetidos votos de “saúde!” para o homenageado, desejamos-lhe uma “vida longa”. Desejamos, sobretudo, que o homenageado não seja apoquentado por doenças em tempos próximos, ou bem distantes se ainda for um jovem.
Nesse momento, ninguém está a pensar nas contingências que possam advir do ineficaz funcionamento da assistência na saúde pública em Portugal, designadamente no atendimento de situações urgentes que envolvam grávidas ou pacientes de foro cardiovascular, conforme casos profusamente divulgados pelos media nos últimos meses ou mesmo anos. É que se o “azar bater à porta”, será bom que não haja serviços de saúde vocacionados para a urgência encerrados nas proximidades, e que os transportes de emergência médica (ambulâncias, VMER ou helicópteros) estejam funcionais para prestarem socorro atempado.
No cotejo mundial, Portugal surge hoje como um dos países com mais médicos per capita. Na UE, só a Grécia nos ultrapassa neste indicador. Em 2022, segundo o Eurostat (ver Health at a Glance: Europe 2024), Portugal exibia 570 médicos autorizados para o exercício da profissão por 100.000 habitantes, enquanto na média da UE esse rácio se ficava pelos 420 (em França, num patamar claramente inferior, o rácio era de 320).
Parece, pois, provadamente, que não carecemos de formar mais médicos, como parece suceder igualmente com os enfermeiros.
Padecemos de uma estrutural dificuldade no planeamento a médio ou, mais ainda, a longo prazo.
Todos se recordam de que há uma quinzena de anos o nosso país se mostrava exuberante no número de candidatos a professor na escola pública. Ao tempo da troika, Passos Coelho, entre o solícito e o apiedado, sugeria aos nacionais candidatos a professor, e sem um lugar na escola pública, que tentassem acertar a sua vocação num dos países dos PALOP. E os jovens portugueses, martelados por relatos de “professores” no desemprego – ao que se juntavam comuns referências de atos de indisciplina nas salas de aula ou de casos de encarregados de educação que agrediam docentes –, desconectaram-se progressivamente da “vocação” para a docência. Hoje, o ministro da Educação faz o que pode (e tem feito mais do que o anterior), mas que não deverá ser o bastante para os anos próximos. Está agora duradouramente instalada, tudo o indica, a carência de docentes.
Recoloquemo-nos, porém, no caminho primeiro, no principal objeto desta crónica: “a nossa saúde”. O curso de Medicina, não obstante ainda se constitua num dos mais disputados pelos candidatos no concurso para as universidades públicas, já não ocupa o lugar cimeiro (pertence agora a Engenharia Aeroespacial). Em Portugal, ainda formamos muitos médicos, conforme vimos atrás. Todavia, numa espécie de paradoxo, não temos médicos suficientes no SNS, o recurso a médicos tarefeiros nas urgências passou de supletivo para estrutural.
Nas últimas décadas, Portugal ganhou um lugar dianteiro, a nível mundial, no respeitante a indicadores de mortalidade infantil, e podem ser ainda adiantados outros avanços relevantes na saúde.
Como sempre, todavia, as más notícias correm mais depressa. É já longo o historial de tragédias individuais de utentes no setor da saúde, marcando este governo (muitos casos recentes) e outros ao longo dos últimos anos. Precisamos de planear melhor, decerto também de gastar melhor.
O Estado tem de ser capaz de atrair profissionais de saúde (médicos, em particular, mas também enfermeiros e outros) para o SNS, um serviço público da maior relevância, para mais num país muito envelhecido.
Para estancar a corrente emigratória de médicos e enfermeiros, para não se tornar dependente de serviços externos caros (fornecidos pelas empresas que disponibilizam médicos tarefeiros), provavelmente o governo terá de pagar mais aos médicos do SNS que ainda não debandaram. E o saldo financeiro até poderá não ser forçosamente negativo. O desiderato de robustecer o SNS, de torná-lo mais eficaz, é difícil, provadamente. Desta vez, talvez seja preciso mudar muito para que tudo melhore. Os portugueses reclamam-no!