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Futebol português - tragédia moral e farsa mediática

É recorrente e até histórico, haver três clubes do nosso “sistema” desportivo que se julgam detentores de mais direitos que todos e, curiosamente, cada um entenda também ser normal ter mais “benefícios” que os outros dois. No entanto, quando isto acontece, a situação tende a agravar-se, porque a nossa imprensa escrita e audiovisual acaba por esquecer frequentemente os deveres de equidade, de informar com rigor e objetividade, de separar factos de opinião, e de respeitar a ética profissional. Continua sistematicamente a dar voz apenas a esses clubes e seus acólitos, ignorando o princípio que o Papa Francisco tantas vezes recordou: dar voz a todos, todos, todos. E, sedenta de “sangue”, nestas ocasiões segue o lema de um jornalismo que está a fazer escola no país e no mundo: quanto pior, melhor, estejamos a falar de guerras reais ou das nossas “Guerras do Alecrim e da Manjerona”* - para quem não sabe, intrigas amorosas com fidalgos sem ética, datadas do século XVIII. 

No nosso futebol, em pleno século XXI, ainda abundam intrigas com fidalgos também eles pobres (embora ricos em dívidas) e com ética de qualidade duvidosa. A peça* de D. Francisco Manuel de Melo aludia também a rivalidades entre grupos carnavalescos. Nada de novo, afinal, pois o nosso futebol é, também ele, uma espécie de carnaval permanente, onde os dirigentes destes clubes vestem diferentes roupagens consoante os benefícios são próprios e/ou dos rivais. Quando convém, enchem de galanteios os dirigentes federativos - lá colocados por eles - e até, pasme-se, os árbitros. Quando não são beneficiados, os dirigentes federativos passam a ser alvo a abater e os outrora impolutos árbitros, baixam a seres sem um mínimo de dignidade, incapazes até de desligar uma simples TV. No entretanto, um grupo de “gverreiros” que nas últimas décadas cresceu de forma sustentada - desportiva e economicamente - vê-se envolvido em enorme confusão por, durante grande parte de um simples jogo de futebol, fazer algo que não era expectável - esconder a bola aos donos da casa, não os deixando jogar como gostam.

Mas, e já que estamos em fase de discussões teatrais, recuemos ao século XVI, até ao Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente - a quem aproveito para dar os parabéns pela excelente época realizada até ao momento. Imaginem os três líderes a tentarem convencer o Anjo que merecem seguir na barca que os levaria até ao céu, enquanto o Diabo, esfregando as mãos de contente, sabe que nem precisa de se esforçar, pois tem ali três pecadores com bilhete garantido para o inferno, semelhante, em tudo, àquele em que têm transformado o futebol português.

Os especialistas consideram o Auto da Barca do Inferno uma obra de moralidade, e simultaneamente uma farsa. Adequado, portanto, a estes “putativos” moralistas que aparentam ser, afinal, uns farsantes de primeira. 

Diz-se que a história tende a repetir-se pelo menos duas vezes: a primeira como tragédia e a segunda como farsa. Estamos aí - entre a tragédia e a farsa - e, no meio delas, vai-se perdendo o que devia ser essencial: o gosto puro pelo jogo…jogado.

Carlos Mangas

Carlos Mangas

7 novembro 2025