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Ser santo

Ser santo é, como escreve São Paulo (cf. Ef 4,26), não deixar que se ponha o sol sobre o nosso ressentimento, ou seja, não deixar cair a noite sem antes perdoarmos a quem nos ofendeu ou rogarmos o perdão de alguém a quem possamos nós ter ofendido, na constante reaprendizagem das palavras essenciais.

Ser santo é, ainda nas palavras do Apóstolo (cf. Rm 12,15), alegrar-se com os que se alegram e chorar com que choram, isto é, partilhar sentimentos, ser solidário, estar em sintonia.

Ser santo é rezar para poder crescer na amizade com Deus e com os irmãos, valorizando o podermos estar juntos física e espiritualmente; rezar pelos inimigos, para que deponham as armas; para que convertamos nós próprios o nosso coração, entregando ao Senhor a sua dureza para que ele a amoleça, até porque Aquele que nos criou e redimiu não nos envia tentação a que não possamos resistir (cf 1 Cor 10,13); rezar para que todos sejam bem sucedidos nos seus propósitos, desde que orientados para o bem.

Ser santo é comprometer-se sem reservas nem condições, sem desculpas, sem olhar para o lado a ver se o vizinho se atreve ao mesmo; dizer sim ao chamamento a uma santidade não do tipo angelical, mas que se exprime em serviço, amor, dedicação, esquecimento de si, entrega ao Senhor da Vinha, que recompensa a 30, 60 ou 100 por um (cf Mt 13,8), porque esse pobre por quem acabas de passar podias ser tu, podes vir a ser tu; é encorajar e levantar, em vez de desanimar e deitar abaixo, aliviar o peso que outros carregam em vez de se vitimizar assacando sempre a culpa aos outros.

Ser santo é reconhecer que a vida tem bons e maus momentos e estar grato por tudo porque em tudo há um “porquê” mas também um “para quê”, um propósito por vezes escondido, tal como nessa tua cruz que te une misteriosamente à Paixão de Cristo, que aceitas umas vezes com mais paciência, outras nem tanto, que carregas com forças que muitas vezes nem sabes onde vais buscar – “só Deus sabe”, porque é Ele que tas dá; é assumir esta vida como dom recebido de braços abertos e tarefa a cultivar com as mangas arregaçadas e a visão do copo “meio cheio”.

Ser santo é viver “como se”. Como se fosse sempre o primeiro dia, a primeira vez. Ou então como se fosses morrer amanhã. Ou viver já no amanhã com um olho no ontem, vendo o maravilhosamente invulgar na aparente banalidade do vulgar. Como se cada instante, cada momento, cada faísca de tempo, trouxesse atrás de si o rasto misterioso e leve da eternidade, pena esvoaçando sem penas carregando, um vestígio do amanhã, uma centelha do dia sem ocaso, da Primavera florida que nasceu na árvore da vida, da luz soalheira vinda de dentro do sepulcro vazio. Como se a nada mais aspirasses senão ao mais completo e absoluto anonimato, ao último lugar, sem querer que dêem por ti, nunca reclamando os louros, porque se recebeste de graça, é de graça que deves dar (cf. Mt 10,8) e a vitória, em última análise, não te pertence, a ti que não deixas de ser sombra e cinza. Como se fosse pura perda de tempo o levares-te ainda tão a sério que te prives da alegria de poderes rir-te de ti próprio.

Ser santo é saber perder, arriscar dois passos atrás para avançar a seguir, ouvir um não, e dizer outros à superficialidade e ao supérfluo, aprender a optar, descobrir a beleza do silêncio que contempla, o som da escuta que conhece e reconhece, o valor do gesto que faz a diferença e exercitar-se neles, peregrinar na virtude, ir ao profundo sem se deixar ir ao fundo. E em tudo isto deixar-se encontrar pela Palavra d’Aquele que te chama à amizade e ao diálogo, ao amor e à comunhão. Coração a coração. Amor que pede amor.

És santo ou santa se ainda te deixas encantar pelo movimento de riachos e cascatas, pelo chamamento dos pássaros num fim de tarde luminoso. Se ainda consegues encher os pulmões com o ar da montanha mesmo caminhando por vales tenebrosos (cf. Sl 23). Se és destemido como o profeta que o Baptismo um dia te chamou a ser, denunciando a injustiça, a mentira, a espiral do ódio, da violência e da vingança, para anunciares por palavras e obras o bem, a verdade, a justiça, a caridade. Mesmo que tal implique renunciares ao sossego por que tanto tens ansiado. Mesmo que não sejas consensual. A vida não é o jogo do malmequer: não te desgostes nas negociações pela aprovação dos outros.

Ser santo é ser poeta, louco, criança.

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Pe. Miguel Miranda

5 novembro 2025