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O que a vida nos ensina

A dona Rosa (uma senhora miudinha, um autêntico palito, mas muito simpática, divertida e ternurenta) enviuvou vai para seis meses; pois bem, ela e o Manuel eram um casal perfeito (se, assim, se pode dizer), perante tanta ingratidão, egoísmo e laxismo moral que por aí abunda.

Agora só, infeliz, sente duramente o peso da solidão; sobretudo a longitude, profundidade e infinidade das noites sem ninguém.

Mãe de dois filhos (um rapaz e uma rapariga) ambos arrumados e felizmente

bem na vida) e avó de cinco jovens (três rapazes e duas raparigas) a dona Rosa lembrou- se de pedir à filha que lhe deixasse ir, durante a noite, a neta mais velha, já adolescente, ficar com ela a ver se a tortura noturna melhorava.

Mas, ó mãe, se ela não quer, que diacho não posso obrigá-la; bem vê que ela tem de estudar e levantar-se cedo para ir para as aulas – argumentou a filha.

Mas, filha, ajudei-a a criar, quantas noites mal passadas e sempre fui tão

amável e generosa com ela.

O mãe, isso é passado e o passado já lá vai e não tem retorno.

Acredito que se falares com ela, não vai dizer que não; se é tão meiguinha, tão boa menina, estou certa que não dirá que não.

Os tempos são outros, mãe, e muito diferentes do que eram; depois, a juventude tem outros hábitos, outros apelos que não eram os nossos e depressa o que é passado é para enterrar e esquecer.

E, assim, foi e enterrou-se e esqueceu-se mesmo; e com ele tanta generosidade, tão solicitude, tanta ternura de uma avó que, até nem pede muito e se vê, mesmo assim, relegada e só; ao menos, vai-lhe valendo uma estudante universitária a quem alugou um quarto e lá a vai ajudando a preencher a imensidão das noites e, do mal, o menos, antes a presença menos quente de uma estudante que precisava de ajuda do que a ausência menos quente dos familiares.

Ora, como esta situação, hoje em dia, muitas mais se vão multiplicando, tendo em conta que o mundo dá muitas voltas e com ele a cultura e a identidade de muitas pessoas; aliás, se abrirmos os jornais ou consultarmos as redes sociais situações como a da avó Rosa são vulgares, basta pensarmos que há familiares que abandonam, no hospital após a alta médica, os seus familiares idosos, alegando que não têm condições para os terem em casa.

Pois bem, hoje em dia, pensando nestas situações, somos levados a pensar que num mundo de gastos sumptuários em guerras e exibições burlescas de enormes desperdícios, seja em negócios ou seja em ações de rua sem a mínima necessidade, somos levados a crer que não há retorno possível; e, assim, é caso para pensarmos que este mundo está a desconjuntar-se e a perder os mais lídimos valores humanos; além de que, se vivemos uma época de formidáveis invenções e uso de altas tecnologias, situações como as da avó Rosa e outras similares nunca deviam existir.

Mas, a verdade é que neste admirável mundo novo que nos estão criando, já só vai havendo lugar para o comodismo, o consumismo, o hedonismo, o egocentrismo e o individualismo (primeiro eu, depois eu e sempre eu); e sem que ninguém se preocupe em pregar e praticar a solidariedade, a fraternidade e o Amor.

E, assim sendo, será que o homem de hoje verdadeiramente feliz é com o

progresso, os meios tecnológicos e vivenciais, a vida familiar e social que tem? E os princípios daqui resultantes serão sinónimo de qualidade de vida, de gregarismo e de felicidade?

A ambivalência dos extraordinários progressos científicos e tecnológicos é um facto; todavia a pergunta é: será que o uso que deles se faz é para o bem ou para o mal da humanidade? Aqui é que reside a questão maior, ou seja o coração dos homens precisa de mudar, de crescer para fora, para além que é o lugar e a busca do Outro, e só podendo, deste modo, pôr ao serviço da Paz, da Fraternidade, da Solidariedade e do Amor os formidáveis e admiráveis dons da ciência e da tecnologia.

Então, até de hoje a oito.

Dinis Salgado

Dinis Salgado

5 novembro 2025