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Santos e Fiéis Defuntos. Património Espiritual?

A celebração das Festas de Todos os Santos e dos Fiéis Defuntos são um património espiritual universal, jubilar, de graças espirituais. No credo é «comunhão dos santos». Se há patrimónios da humanidade naturais e humanas, materiais e imateriais, porque não estas festas litúrgicas como património espiritual? Na realidade, são património espiritual. As ciências tendem a fragmentar a realidade para melhor controlar a realidade. Cada pessoa, porém, é uma unidade de várias dimensões tecidas pelo amor de Deus. A Organização Mundial de Saúde considera a vida pessoal um todo de diversas dimensões em harmonia relacional: bem-estar biopsicosocial e espiritual que precisa de cuidados amorosos. Já Platão tinha imaginado uma ponte ou fenda aberta entre a caverna do sistema em que o homem está imerso, mas em relação com o sistema das realidades espirituais a vislumbrar sombras e imagens de seres espirituais do sistema transcendental.

S. Paulo exprime essa visão imperfeita: «Agora, vemos por espelho, em enigma, mas, então, veremos face a face; agora conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido» (1 Cor, 13,12). Numa palavra, o que está para além da fronteira do material é intuído como transcendental (além-matéria) e indizível na sua inteireza pelos humanos no sistema terreno. Humanos com uma dimensão espiritual.

A Liturgia das festas de Todos os Santos e dos Fiéis Defuntos apoiada nos textos bíblicos e litúrgicos, e na tradição cristã, vai além da realidade do património dos cemitérios e dos seus belos jazigos cheios de sentido artístico e de fé. Aqui estamos ao nível espiritual. Os Santos, celebrados como pessoas já glorificadas na vida do seu todo espiritual, corpo e alma, viveram no tempo e agora na eternidade. A realidade dos santos, aqui ou no Céu, pode considerar-se um património, um tesouro espiritual de toda a humanidade. De toda a humanidade? Sim, porque a humanidade inclui a todos, ninguém fica de fora. Olhemos os santos mártires. Jesus diz que «se o grão de trigo não morrer ficará só, mas se morrer dará muito fruto»; e Tertuliano dizia: “são sementes” de outros santos, porque: os santos «bem-aventurados continuam a cumprir com alegria e amor a vontade de Deus, em relação aos outros homens e a toda a Criação» (cf.Catecismo da Igreja Católica, CIC, 1029). Os que morrem precisam de oração.

O pecado «deixa a sua marca», traz consigo consequências: exteriores, como consequências do mal cometido, e interiores, pois «todo o pecado, mesmo venial, traz consigo um apego desordenado às criaturas, o qual precisa de ser purificado, nesta vida ou depois da morte, no estado que se chama Purgatório» (cf. CIC 1472), lembra o Papa Francisco na Bula do Jubileu, Spes non confundit, Snc, n.º 18. «Assim, na nossa débil humanidade atraída pelo mal, permanecem “efeitos residuais do pecado”. São tirados pela indulgência, sempre por graça de Cristo, o Qual, como escreveu São Paulo VI, é a nossa indulgência». [Carta ad Apostolorum Limina, 23.05.1974, II; e Snc,19).

Este Património como “Comunhão dos Santos” traduz-se em circulação de graça, vida espiritual, amor entre todos os homens, santos e pecadores, de ontem e hoje; do presente e da eternidade. Na tradição cristã é «tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos» (Paulo VI, Const. Apost. 1 jan.1967, 7). Abrange também os Fiéis Defuntos falecidos na comunhão dos santos, perdoados das culpas de pecados cometidos de que se arrependeram e confessaram, mas ainda sujeitos a penas de reparação ou purificação de sequelas desses pecados. O perdão, pelos méritos da morte de Cristo, pode deixar danos a reparar e purificar no Purgatório. «O juízo diz respeito à salvação na qual esperamos e que Jesus nos obteve com a sua morte e ressurreição. (…) «O mesmo [mal] precisa de ser purificado, para nos permitir a passagem definitiva ao amor de Deus. Compreende-se, neste sentido, a necessidade de rezar por aqueles que concluíram o caminho terreno: uma solidariedade na intercessão orante que encontra a sua eficácia na comunhão dos santos, no vínculo comum que nos une em Cristo, primogénito da criação. Assim, a Indulgência Jubilar, em virtude da oração, destina-se de modo particular a todos aqueles que nos precederam, para que obtenham plena misericórdia (cf. Snc, 22).

As orações e a Missa abrevia, perdoa as penas dos falecidos. Alguns fiéis mandam celebrá-las pelos seus familiares em «restituição» de danos que não chegaram a reparar. Cristo e os santos já na glória e os que vivem na terra como moradas do Espírito Santo dão, assim, esperança de purificação aos Fiéis Defuntos para entrarem na glória do amor infinito de Deus.

Pe. Aires Gameiro

Pe. Aires Gameiro

1 novembro 2025