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Momentos difíceis e inesquecíveis

O ser humano, ao longo da sua vivência profissional e quando exercida em espaços transcontinentais, depara-se com situações imprevisíveis, mas inerentes às suas funções, que registam o percurso de vida e deixam marcas de acontecimentos, bons ou maus, que ficam para a história da sua vida.

Numa das deslocações à cidade de Kimberley, na África do Sul, onde foi descoberta a primeira rocha mãe do diamante, daí ter-se começado a chamar quimberlito, na língua portuguesa, passou-se um caso imprevisível, quando da chegada ao hotel para ocupar o alojamento reservado por uma grande empresa mineira internacional, para três geólogos que iam fazer um estudo e apresentar um projeto para a exploração de um jazigo primário diamantífero (chaminé quimberlítica).

Ao tempo imperava na África do Sul o Apartheid, um sistema de segregação racial que esteve em vigor durante grande parte do século XX, tendo Nelson Mandela sido um líder político e ativista sul africano, que se tornou um dos maiores líderes mundiais contra o racismo, Prémio Nobel da Paz em 1993, tendo sido condenado a prisão perpétua pelo regime sul africano. Esteve preso 27 anos, sendo libertado devido à mudança do regime, após a qual se tornou em 1994 o primeiro presidente negro da África do Sul.

Um dos geólogos, devido ao clima tropical e aos trabalhos no terreno, embora branco, tornou-se muito escuro e foi impedido inicialmente de entrar no hotel para pernoitar, apesar do passaporte revelar a sua nacionalidade, tendo sido considerado “colored man”. Foi difícil convencer o rececionista, mesmo mediante ameaças do líder holandês da empresa sul-africana. E só ao fim de forte discussão e ameaça empresarial é que a autorização foi dada.

Um outro momento foi vivido nas queimadas em Angola, que atingiam, por vezes, grandes extensões, principalmente quando tinham origem nos planaltos extensos e cobertos com capim, já seco.

Numa das missões profissionais, em 1962, no nordeste de Angola, em Mutumbo, foi-se surpreendido por uma queimada, no planalto atravessado por picadas, caminhos naturais ou abertos por máquinas escavadoras, para a circulação de jipes Land-Rover. O fogo avançava em direção à saída da viatura, de ambos os lados e não havia alternativa senão avançar atravessando as chamas e assim se fez, mas Alguém estava a proteger e nada aconteceu.

Difícil de ultrapassar foi uma situação arrepiante de sofrimento humano, passada numa deslocação entre a cidade mineira do Lucapa, Lunda Norte, Angola, e a sede administrativa da Companhia de Diamantes de Angola (DIAMANG), vivido no pós 25 de abril de 1974. No percurso e ao chegar a Camissombo (Posto Administrativo), começou a verificar-se em alguns locais da estrada, no percurso para o Dundo, a existência de mortos de etnia baluba, do ex-Congo belga, povo conciliador e trabalhador, que também faziam parte dos recursos humanos da companhia, assim como cabo-verdianos, santomenses e outras etnias angolenses, como os cuanhamas com visão e sentido intercomunitário, do sul de Angola, com grande capacidade para a pecuária. Alguns dos referenciados vieram a ocupar funções de destaque dentro do organigrama da DIAMANG, quer antes quer depois da independência.

Porém, existiam entre os balubas e os quiocos, povo nómada e guerrilheiro que ocupava o nordeste de Angola, litígios ancestrais que provocaram situações de guerrilha étnica, causadoras das mortes que se teve ocasião de observar ao longo do percurso rodoviário, num período descontrolado de segurança pós-independência e dos movimentos anteriores resultantes para a independência de Angola.

Um dia e ligado ao Golpe de Nito Alves, que ocorreu em 27 de maio de 1977, e tendo sido felizmente antecipado um dia, apareceu escrito na parede dos gabinetes da administração da Diamang “Amanhã vão ser todos mortos”.

No dia anterior tinha estado no Dundo uma Delegação do MPLA, liderada por Lúcio Lara, que mostrou preocupação pelo momento que Angola estava a viver, devido ao extremismo comunista implantado por influência da União Soviética, com participação cubana, sob o comando de Nito Alves. Alguns dirigentes do MPLA e quadros estatais desta Delegação vieram a ser mortos, quando ocorreu o golpe em Luanda. Felizmente que a antecipação foi a sorte de brancos, de alguns negros angolanos e de outras nacionalidades residentes nas áreas mineiras, caso contrário seriam todos mortos, pois ao tempo já não havia o exército português na Lunda, bem como Corpo de Voluntários. Felizmente que o líder do MPLA, Agostinho Neto, teve conhecimento antecipado deste acontecimento, tendo daí resultado tumultos e confrontos indescritíveis, em Luanda, e na morte de Nito Alves e seus correligionários, tendo atingido cerca de 30 000 assassinados.

Outro momento vivido foi após o 11 de novembro de 1975, quando foi proclamada a independência de Angola e se iniciaram guerrilhas entre partidos ligados aos movimentos que foram anteriormente os motores do caminho seguido para atingir o objetivo nacional – MPLA, UNITA e FNLA - que provocaram cortes de vias terrestres, pontes e linhas de caminho-de-ferro, entre as quais o Caminho de Ferro de Benguela, um dos principais meios para transportar até Luso (Muxico) os bens materiais fundamentais para a Diamang, que seguiam depois para o Dundo por via terrestre.

Foi então necessário contratar, através da Canadian Pacific Airlines, aviões Hercules Super Constellation 120, com capacidade para 20 toneladas, passando a ser os principais meios de transporte para o combustível, produtos chegados ao posto de Lobito por via marítima e ir a outros países africanos buscar bens alimentares (Botswana, Camarões, Congo Brazaville e África do Sul) para os trabalhadores e funcionários angolanos, assim como para os portugueses e de outras nacionalidades.

Na passagem pelos aeroportos viveram-se momentos chocantes, mas principalmente quando o avião aterrava no Huambo (Nova Lisboa), para reabastecimento de combustível ou ainda aí carregar produtos alimentares, pois esta região era rica em produtos agrícolas e também ligados à pecuária.

Deparava-se com famílias com pequenas malas a sair das viaturas que ficavam abandonadas, às centenas, à espera de embarcarem na ponte aérea da TAP, Nova Lisboa – Lisboa, viam-se crianças a chorar com dificuldades alimentares, esperando horas pela chegada dos aviões para embarcar para Portugal. As famílias e os cidadãos partiam destroçados, deixando em Angola, a quem tudo deram, o seu dinheiro, pois a moeda vigente era o Kwanza, desvalorizada, e os seus bens.

Momentos de tristeza, dor e aperto no coração, que tudo deram para o desenvolvimento de Angola, inclusive vendendo os seus bens em Portugal para ali investir e muitos deles quando regressaram contribuíram para o incremento económico de Portugal, fixando-se muitos no interior e vindo a contribuir para aumentar a densidade populacional daquelas regiões, sendo impulsionadores da criação de empresas e da economia no interior ou nas áreas raianas fronteiriças. 

Bernardo Reis

Bernardo Reis

29 outubro 2025