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Escutar o clamor dos pobres

1. Leão XIV publicou, com data do passado dia 04, a Exortação Apostólica Dilexi te. É um forte apelo a que seja escutado e atendido o clamor dos pobres. Concretiza, assim, um propósito do Papa Francisco. 

Ele o diz: «o Papa Francisco, nos últimos meses da sua vida, estava a preparar uma Exortação Apostólica sobre o cuidado da Igreja pelos pobres e com os pobres, intitulada Dilexi te, imaginando Cristo a dirigir-se a cada um deles dizendo: Tens pouca força, pouco poder, mas «Eu te amei» ( Ap 3, 9). 

Ao receber como herança este projeto, sinto-me feliz ao assumi-lo como meu – acrescentando algumas reflexões – e ao apresentá-lo no início do meu pontificado, partilhando o desejo do meu amado Predecessor de que todos os cristãos possam perceber a forte ligação existente entre o amor de Cristo e o seu chamamento a tornarmo-nos próximos dos pobres.  (Dilexi te, 4)

 

2. «A condição dos pobres, escreve o Papa, representa um grito que, na história da humanidade, interpela constantemente a nossa vida, as nossas sociedades, os sistemas políticos e económicos e, sobretudo, a Igreja. 

No rosto ferido dos pobres encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo. Ao mesmo tempo, deveríamos falar, e talvez de modo mais acertado, dos inúmeros rostos dos pobres e da pobreza, uma vez que se trata de um fenómeno multifacetado; na verdade, existem muitas formas de pobreza: a daqueles que não têm meios de subsistência material, a pobreza de quem é marginalizado socialmente e não possui instrumentos para dar voz à sua dignidade e capacidades, a pobreza moral e espiritual, a pobreza cultural, aquela de quem se encontra em condições de fraqueza ou fragilidade seja pessoal seja social, a pobreza de quem não tem direitos, nem lugar, nem liberdade». Dilexi te, 9)

 

3. «Num mundo onde os pobres são cada vez mais numerosos, adverte o Papa, vemos paradoxalmente crescer algumas elites ricas, que vivem numa bolha de condições demasiado confortáveis e luxuosas, quase num mundo à parte em relação às pessoas comuns. 

Isto significa que persiste – por vezes bem disfarçada – uma cultura que descarta os outros sem sequer se aperceber, tolerando com indiferença que milhões de pessoas morram à fome ou sobrevivam em condições indignas do ser humano» (Dilexi te, 11).

 

4. Um relatório da Pordata sobre a pobreza em Portugal permite-nos concluir que aproximadamente 1,76 milhões de portugueses (16,6%) vivem com rendimentos inferiores a €632 por mês, o limiar de pobreza para 2024. 

Cerca de 900 mil pessoas empregadas vivem em situação de pobreza absoluta devido a salários insuficientes para cobrir o custo de vida.

Em 2024 mais de 1,6 milhões de portugueses não conseguiam manter a casa devidamente aquecida e 266 mil não tinham acesso a alimentação adequada. 

 

5. É urgente reconhecer e respeitar a dignidade do pobre, que não é um ser humano de segunda. Investir a sério na educação das famílias pobres, mostrando-lhes ser possível sair do círculo vicioso da pobreza. Que, na Escola, os meninos de famílias pobres sejam bem acolhidos e beneficiem de uma autêntica igualdade de oportunidades.

Leão XIV pergunta: os menos dotados não são seres humanos? Os fracos não têm a mesma dignidade que nós? Aqueles que nasceram com menos possibilidades valem menos como seres humanos, devem limitar-se apenas a sobreviver?  (Dilexi te, 95).

Há que adotar medidas que ponham em prática uma verdadeira justiça social. É um escândalo o fosso existente entre os muito ricos e os muito pobres.Há que proceder a uma gestão cuidada dos recursos existentes. 

Será descabido propor uma revisão da forma como se distribuem dinheiros pela Comunidade Europeia? Não se têm feito obras desnecessárias, só para utilizar os subsídios, faltando verbas para outras mais recomendáveis’?


 

6.Nos números 115 a 118 Leão XIV fala da esmola, que, na situação em que se vive, «continua a ser um momento necessário de contacto, encontro e identificação com a condição do outro».

Quem pode tem o dever de dar esmola e de saber dar esmola. Acompanhá-la de uma conversinha que ajude, sem humilhar. Quem sabe se daí surgirão pistas reveladoras de formas de viver sem andar de mão estendida?

Silva Araújo

Silva Araújo

23 outubro 2025