Do que é que ainda podemos rir sem medo? Sempre senti que o humor é uma forma séria de inteligência e descobri cedo que pensar não precisava de ser um exercício sisudo. Há uma imagem injusta que trazemos da escola, onde a filosofia parecia pesada e fechada ao riso, mas a verdade é que, antes de ser guardada em livros, a filosofia era espanto e ironia.
Na Grécia antiga, o riso fazia parte do pensamento filosófico e sentava-se à mesa do debate. Recordemos Diógenes, o homem que vivia num pipo, caminhava com uma lanterna à procura de um homem honesto e que, perante Alexandre Magno, apenas pediu que saísse da frente do sol. Noutra ocasião, quando Platão definiu o ser humano como “um bípede sem penas”, Diógenes depenou um galo, levou-o à Academia e declarou: “Eis o homem de Platão.” Pelo mesmo tempo, Tales de Mileto, tão ocupado a observar as estrelas, caiu num poço, levando uma criada trácia às gargalhadas por ele querer conhecer o céu, mas nem ver o chão onde pisava. Sócrates, por sua vez, usava a ironia para expor contradições e levar os atenienses a rir de si próprios. Hoje, arriscava-se a ser bloqueado antes de terminar a frase, o que mostra que nem sempre evoluímos na arte de rir e de pensar com subtileza.
Convido os nossos leitores a recordar os Monty Python, essa trupe brilhante que reinventou a ironia socrática para o nosso tempo, provando que o riso filosófico não se perdeu, apenas ganhou outros cenários e outras vozes. O seu humor absurdo continua a revelar a fragilidade de muitas das nossas certezas, e podemos exemplificar isso nos seus sketches mais célebres. No sketch Clínica do Argumento assistimos a discussões vazias em que ninguém ouve ninguém, retrato tão familiar do ruído que hoje se confunde com debate. No Papagaio Morto, a evidência é negada diante de um papagaio sem vida, tal como sucede quando se insiste em negar o óbvio. Já no A Bruxa, a multidão decide apenas porque “todos concordam”, satirizando a falácia ad populum, tão visível nas redes sociais, sempre apressadas a julgar e a condenar. Sempre que revejo os Monty Python, lembro-me de que o humor, quando é inteligente, desmonta ilusões com uma eficácia que a lógica, raramente consegue.
Quero também trazer para este debate a minha experiência de professor, pois na escola sinto que humor é muitas vezes o mote para abrir a sala de aula ao diálogo. Uma turma que consegue rir comigo, e até de mim, aprende com mais leveza, ouve com mais atenção e pensa com menos receio. O riso, quando entra na sala de aula, torna-se uma verdadeira ferramenta pedagógica, capaz de unir alunos e libertar o pensamento.
Caros leitores, vale a pena estarmos atentos, porque o cinema mostra-nos bem o perigo de sufocar o riso. Basta recordar O Nome da Rosa, filme de Jean-Jacques Annaud inspirado no romance de Umberto Eco, onde o riso é visto como ameaça, o pensamento é vigiado e o medo serve para garantir obediência. Naquela abadia medieval, o riso era visto como ameaça e associado ao pecado, e o segundo livro perdido da Poética de Aristóteles, dedicado à comédia, era escondido para impedir que alguém pensasse com liberdade. Aquilo que os gregos celebravam, a Idade Média tentou sufocar, e é inquietante reconhecer como esse impulso regressa, disfarçado, nos nossos dias.
Confesso que olho à minha volta e vejo tempos em que o riso é cada vez mais vigiado. O caso recente entre Joana Marques e os Anjos mostrou como se tornou difícil traçar a fronteira entre piada e ofensa. Hoje, as reações são instantâneas, amplificam indignações e parecem preferir o julgamento à compreensão, como se o humor estivesse permanentemente em exame. Uma democracia vive do confronto de ideias e, sem humor, o espaço público torna-se crispado e frágil, cheio de vozes ofendidas e poucas vozes dispostas a escutar. Voltaire, que sabia bem o valor da sátira, lembrava: “O riso é terrível para os tiranos.” Montaigne acrescentaria que “rimo-nos dos outros, mas quase nunca temos a coragem de rir de nós próprios”, lembrando-nos que o humor é, antes de mais, um exercício de humildade.
Na minha opinião, o problema não está em fazer humor, mas em perder a capacidade de o aceitar, sobretudo quando ele toca no nosso orgulho e nas certezas que guardamos como verdades absolutas. Continuo a acreditar que rir não resolve a condição humana, mas alivia o peso da vida e devolve-nos lucidez.
Convido os nossos leitores a pensar comigo sobre o lugar do riso na nossa vida.
Que tipo de sociedade construiremos se até o riso começar a desaparecer?