Quando confesso aos alunos de licenciatura que, por vezes, passo duas semanas sem assistir a um telejornal ou ligar um canal de notícias, olham-me com um misto de surpresa e incredulidade. Como pode um professor de Comunicação desligar-se daquilo que constitui, por essência, o seu objeto de estudo? Escreveu Vergílio Ferreira, algures em Pensar (1980), que toda a palavra verdadeira nasce do silêncio. Só ganha sentido quando brota da interioridade e da consciência do seu limite. Foi num desses momentos de recolhimento face ao tumulto mediático que mergulhei no Digital News Report 2025, uma radiografia global (mais de 97 000 utilizadores em 48 países) sobre o atual panorama informativo, publicada pelo Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford.
Esta edição confirma um retrato inquietante: a superabundância de informação anda a par com o afastamento progressivo dos cidadãos. Em média, 53% dos inquiridos admitem evitar as notícias com alguma frequência, cansados da sua tonalidade negativa, da repetição e da sensação de impotência. Um pouco abaixo da média europeia (41 %), Portugal regista um valor ainda assim expressivo (35 %). As razões repetem-se, de Paris a Lisboa: 39 % dizem que as notícias afetam o estado de espírito, 31 % sentem-se exaustos com a saturação de conteúdos, 30 % apontam o excesso de cobertura de conflitos e quase um terço considera que a política ocupa espaço em demasia. Informar-se tornou-se uma experiência fragmentada e defensiva.
No que a Portugal diz respeito, os resultados confirmam um ecossistema em mutação, marcado por tensões estruturais, mas também sinais de reinvenção. A televisão mantém-se como principal fonte de informação, embora em processo de erosão: 67 % dos inquiridos dizem ainda usá-la para se informar, contra 85 % em 2015. O consumo de notícias online e nas redes sociais tem vindo a consolidar-se (69% e 44%, respetivamente) e o acesso através de smartphones atinge 80%, substituindo o computador. Os podcasts e os chatbots de IA (4%) começam a integrar o quotidiano informativo. No entanto, apenas 10 % dos portugueses pagam por notícias digitais, o que constitui um valor estável face a 2024, ainda distante da média europeia (17 %).
A confiança nas notícias situa-se em 54 %, percentagem inferior à registada em 2015 (66%), mas ainda acima da média global (40 %). Os meios públicos, em especial a RTP (75%) e a RDP Antena 1 (68%), continuam a ser vistos como os mais fiáveis, seguidos do Expresso (73%), da Rádio Comercial (72%) e do Público (71%). As marcas independentes, como o Observador ou o Notícias ao Minuto, mantêm níveis intermédios, enquanto o Correio da Manhã surge entre os mais polarizadores (52% confiam, 27% não confiam). O público torna-se cada vez mais móvel, seletivo e desconfiado, embora ainda disposto a reconhecer valor no jornalismo de referência.
Por seu turno, o consumo de notícias online cresce sobretudo entre os mais jovens: 30% dos utilizadores entre 18 e 34 anos informam-se pelo TikTok e 42% pelo YouTube. As plataformas usadas para comunicar com amigos, como o Facebook (59 %), WhatsApp (53 %) e Instagram (45 %), são também portas de acesso ao noticiário. A sobreposição entre o pessoal e o público, o trivial e o político traduz uma tendência mais ampla: o cidadão-internauta vive num espaço onde informação, opinião e entretenimento se confundem. A fadiga informativa não nasce apenas do excesso, mas também da ocupação do espaço público. Multiplicam-se diretos por tudo e por nada, a replicação das mesmas notícias e a saturação de espaços de opinião onde se confundem ruído e debate. Abundam tudólogos que não dominam as matérias sobre as quais se pronunciam, reduzindo temas complexos a enredos de circunstância. A informação tornou-se previsível, concentrada em Lisboa e no Porto, refém do sensacionalismo e da lógica do imediato. Faltam-lhe distância crítica, investigação e pluralidade de olhares. O jornalismo cede à pressa, num campo minado por interesses políticos e económicos. Talvez o silêncio seja hoje uma das formas mais radicais de resistência. Um espaço onde possa nascer uma palavra mais verdadeira.