twitter

Dilexit te

 

Dilexit te1 (amei-te) é o título da primeira Exortação Apostólica2 que o Papa Leão XIV assinou, no passado dia 4 de outubro, festa litúrgica de S. Francisco de Assis. O tema da referida Exortação é o amor para com os pobres e a sua publicação ocorreu algum tempo depois, no passado dia 9.

O Papa começa por afirmar que, “em continuidade com a Encíclica Dilexit nos, o Papa Francisco, nos últimos meses da sua vida estava a preparar uma Exortação Apostólica sobre o cuidado da Igreja pelos pobres e com os pobres, intitulada Dilexit te, imaginando Cristo a dirigir-se a cada um deles, dizendo: Tens pouca força, pouco poder, mas ‘Eu te amei’ (Ap 3, 9). Ao receber como herança este projeto, sinto-me feliz ao assumi-lo como meu – acrescentando algumas reflexões – e ao apresentá-lo no início do meu pontificado, partilhando o desejo do meu amado Predecessor de que todos os cristãos possam perceber a forte ligação existente entre o amor de Cristo e o seu chamamento a tornarmo-nos próximos dos pobres. Na verdade, também eu considero necessário insistir neste caminho de santificação, porque no ‘apelo a reconhecê-lo nos pobres e atribulados, revela-se o próprio coração de Cristo, os seus sentimentos e as suas opções mais profundas, com os quais se procura configurar todo o santo” (nº 3). 

O texto divide-se em cinco capítulos e 121 números ou parágrafos, para além de apresentar 130 notas de rodapé, 60 das quais do Papa Francisco. De uma leitura na diagonal, dado que ainda não pude ler pausadamente o documento, aqui deixo algumas das suas ideias fundamentais, com o objetivo de despertar a atenção dos meus leitores pata este documento.

No primeiro capítulo, intitulado Algumas palavras indispensáveis, sublinha-se a inseparabilidade entre o amor a Cristo e o amor pelos pobres; recorda-se gestos bíblicos que apontam à valorização dos pequenos e marginalizados (por exemplo, a mulher que unge Jesus); propõe-se S. Francisco como exemplo de amor aos pobres e adverte-se contra alguns preconceitos ideológicos; e, por fim, afirma-se que, se “pobres, sempre os tereis convosco” (Mt 26, 11), cada expressão de afeto para com eles não deixa nunca de ser significativa.

O segundo capítulo intitula-se Deus escolhe os pobres. Nele se apresenta a opção preferencial pelos pobres não como mera preferência moral, mas como um agir de Deus que se volta para a fraqueza humana; explica-se que essa escolha não implica exclusivismo ou discriminação, mas revela a compaixão divina que se compadece com os oprimidos; e reflete-se que a fé autêntica exige misericórdia, justiça e atenção às causas estruturais da pobreza. 

Intitulado Uma Igreja para os pobres, o terceiro capítulo afirma que os pobres não devem ser considerados apenas como destinatários da caridade, mas como protagonistas e mestres do Evangelho. Além disso, este capítulo evoca exemplos da tradição cristã (patrística, santos, ordens religiosas) de compromisso com os excluídos. 

No quarto capítulo, intitulado Uma história que continua, Leão XIV retoma a tradição da Doutrina Social da Igreja, ao longo dos últimos 150 anos (com encíclicas como a Rerum Novarum, de Leão XIII; e a Caritas in Veritate, de Bento XVI, entre outras); identifica “estruturas de pecado” que geram desigualdade, exclusão e pobreza estrutural; define os pobres como uma “questão familiar” da Igreja e não como um problema social distante.

No último capítulo, com o título Um permanente desafio, afirma-se que o cuidado com os pobres não pode ficar restrito à assistência, mas deve incluir a transformação de estruturas injustas; relembra a parábola do Samaritano (Lc 10, 30-37) enquanto paradigma de como devemos responder ao “ferido da via” do mundo contemporâneo; e conclui com o apelo a atitudes concretas – ação pessoal e social – para que os pobres possam sentir nas obras de amor a mensagem de Cristo: “Eu te amei” (Ap 3, 9).

Se quisermos destacar os seus temas e ênfases centrais, esta Exortação Apostólica sublinha a conexão entre a fé e o compromisso social (não é possível separar o amor a Cristo do amor aos pobres); a opção preferencial pelos pobres, não como critério ideológico, mas teológico e pastoral; o protagonismo dos pobres, que não são meros objetos de assistência, mas sujeitos com voz, dignidade e capacidade evangelizadora; a transformação de estruturas, criticando uma “economia que mata”, desigualdades extremas e estruturas injustas que mantêm a pobreza; o amor ilimitado e profético, dado que o amor cristão não impõe limites, mas aproxima, une, converte, denuncia. 

Assunto complexo, a pobreza é uma questão urgente. Para atacar o problema, nada melhor do que uma boa reflexão sobre o assunto. Na verdade, pode o leitor encontrá-la nesta Exortação Apostólica, cuja leitura e meditação recomendo. 

1 A expressão é de Ap 3, 9, em que Cristo se dirige a uma comunidade sofrida, a Igreja de Filadélfia, dizendo que, embora fraca, a amou.

2 Designa-se Exortação Apostólica um documento formal do magistério ordinário do Papa, usado para encorajar a vivência cristã (fé, caridade, missão, oração, etc.); aplicar ensinamentos do Evangelho a situações concretas do mundo; retomar e concluir reflexões de um Sínodo dos Bispos (neste caso, chama-se pós-sinodal); orientar pastoralmente a Igreja universal ou grupos específicos (como jovens, famílias, consagrados, etc.). Destina-se, por isso, a estimular a reflexão e a ação dos crentes e mesmo não crentes.

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

13 outubro 2025