1. No próximo domingo, pela décima quarta vez desde o 25 de Abril de 1974, vamos eleger os nossos representantes para as autarquias. São eleições locais, apresentadas por muitos como as eleições de maior proximidade entre eleitos e eleitores o que significa que deveriam ser as eleições com a maior taxa de participação. Curiosamente e a despeito de muita da voz corrente, as eleições autárquicas têm desde 1976 registado níveis de abstenção considerável, em muitas casos superiores aos das eleições legislativas, e só abaixo do que se verifica nas eleições para o Parlamento Europeu. Vá-se lá saber a razão, mas os factos perfeitamente documentados nos registos da Comissão Nacional de Eleições aí estão para o demonstrar. Não sei o que se passará daqui a dois dias, mas não deixo de ter também neste domínio uma grande curiosidade.
2. Um outro aspecto a ter em conta prende-se com as leituras nacionais que na noite de domingo os analistas e comentadores inevitavelmente farão. Como são convidados para dizer alguma coisa (eu próprio fui convidado para o fazer, apesar de ainda não ter decidido se o farei), teremos indicações sobre as consequências que os resultados terão quer nas lideranças nacionais dos partidos, quer até nas próximas eleições presidenciais. Como é habitual, alguns arautos da sabedoria suprema, na maior parte dos casos sem qualquer laivo de isenção ou independência, não deixarão de ditar as suas sentenças identificando grandes ou médios derrotados bem como grandes ou médios vencedores. E, quase de certeza, não faltará também quem queira comparar resultados autárquicos com os resultados das mais recentes legislativas. Estão todos no seu direito, como também estou no meu direito de a este propósito dizer alguma coisa.
3. Começo pelas possíveis consequências dos resultados autárquicos nas lideranças nacionais, para dizer que elas não têm forçosamente de existir. É verdade, não o podemos esquecer, que tivemos no passado demissões de líderes partidários por esse motivo. Recordo Freitas do Amaral após as autárquicas de1985, eu próprio após as autárquicas de 1997 e António Guterres após as autárquicas de 2001. Cada um teve as suas particulares razões para fazer o que fez, mas no meu caso as autárquicas foram mais justificação do que causa. Noutro momento poderei mais detalhadamente falar disso, ainda que, devo afirmá-lo, se hoje estivesse na mesma situação não me teria demitido de presidente do CDS-PP. Salvo casos em que a estratégia e principalmente a escolha da maioria dos candidatos autárquicos seja da única responsabilidade do líder partidário, não me parece razoável que um mau resultado numa Câmara ou numa Assembleia de Freguesia, deva ser exclusivamente imputado ao presidente do partido e quase nunca ao presidente das estruturas locais do próprio partido. Ao líder partidário deve ser essencialmente imputada a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da condução política nacional, logo dos resultados em eleições nacionais, e não propriamente de eleições locais que na esmagadora maioria dos casos são eleições com particularidades muito específicas.
4. Ora sendo as eleições autárquicas eleições com particularidades muito específicas, parece-me igualmente errado que se façam comparações lineares com os resultados das recentes legislativas, como será quanto a mim extemporâneo que possam existir ilações sobre os efeitos das autárquicas nas próximas eleições presidenciais. Acresce que ao fim de tantos anos de eleições democráticas, já deveríamos ter percebido que na sua definição do que está politicamente certo ou errado os eleitores portugueses já por mais de uma vez demonstraram que não estão prisioneiros do voto que dão numa determinada eleição. E é por isso que em muitos concelhos e não menos freguesias, partidos que vencem eleições locais não as vencem nas legislativas sendo o inverso também uma evidência. Seria assim aconselhável, para não dizer prudente, que na próxima noite eleitoral não nos esquecêssemos desta realidade.
5. A terminar, e independentemente das convicções ideológicas e das preferências pessoais que cada eleitor legitimamente possua, seria bom que os próximos autarcas tivessem uma ideia sustentada de desenvolvimento das suas terras e que não confundissem progresso com o desprezo pela tradição. Na verdade, mesmo que custe dizê-lo, se há muito de bom que devemos a quem tem responsabilidades políticas locais, também há muito de mau que foi feito pelas autarquias que não pode deixar de ser evidenciado. Há hoje vilas e cidades com bairros que são autênticas aberrações urbanísticas, por terem sido pensados sem rigor, projectados sem senso e construídos sem o respeito que a história exigiria. Espero, com sinceridade, que a ânsia de fazer não estrague e não prejudique o que ainda há a preservar.