twitter

Longe da cidade, longe do coração*

O poder político partilha com o mercado imobiliário a sua obsessão com “localização”. Quanto mais próximo se estiver do centro, maior será o valor da nossa propriedade. Proximidade ao poder é atrativa, quer a nível pessoal quer profissional, pelo que as cidades onde se situam as principais instituições políticas se apresentam invariavelmente mais cosmopolitas, com maior diversidade de habitantes e maiores investimentos públicos e privados. Esta proximidade literal e metafórica poderá explicar as diferenças de resultados eleitorais entre regiões de um mesmo país, sendo as grandes capitais tendencialmente mais progressistas do que as zonas suburbanas ou rurais, o que se explica com a acumulação ou falta de oportunidades, habilitações, riqueza e diversidade nestes pontos focais. Sendo a máxima “longe da vista, longe do coração” tão válida na política como no amor, este distanciamento pode ser fatal num regime democrático onde todos os votos contam, podendo o sentimento de abandono de uma parte da população ter consequências dramáticas nas suas opções eleitorais. 

A democracia grega clássica considerava que seria impossível aplicar um modelo democrático a uma escala maior do que uma cidade, sendo esta a dimensão populacional e geográfica máxima de um sistema que depende da intervenção política ativa de cada cidadão individual para funcionar. Essencialmente, excesso de distância geográfica e emocional dos cidadãos aos seus governantes não permitiria a sua participação em processos de autogoverno. Esta teoria foi, entretanto, ultrapassada pelos avanços técnicos que permitiram comunicação cada vez mais rápida e indolor, mas revela a dificuldade dos antigos em teorizar uma realidade em que os cidadãos de um estado-nação conseguissem manter-se comprometidos com o sistema democrático sem proximidade geográfica e social. A proximidade geográfica permitiria que cada cidadão conhecesse pessoalmente os seus congéneres, e, portanto, os seus líderes eleitos, assegurando que tanto uns como os outros fossem responsabilizados pelas suas escolhas. A proximidade social permitiria que a base de pensamento sobre os assuntos de governo fosse comum e partilhada, não existindo divergências significativas entre a análise dos problemas e a identificação das necessidades do espaço público comum. 

Ora, a criação e manutenção de um regime democrático em que os cidadãos ocupam geografias e escalões sociais dramaticamente diferentes apresenta dificuldades significativas, dependendo acima de tudo da confiança dos cidadãos na solidez do sistema, da identificação de uma missão comum a toda a pólis e de uma sensação de progresso constante. A atual desilusão das populações com a democracia deriva, em grande parte, da inexistência destas condições, mortas pela conjunção da revolução digital, da fragmentação das estruturas sociais e do aumento das desigualdades. O poder local é, portanto, absolutamente essencial na criação de uma ligação direta (geográfica, se não social) entre uma camada do poder estatal e os cidadãos, crescentemente desligados e descrentes da política nacional. Por sua vez, a mediania, ou até mediocridade, que muitas vezes encoraja o perfil dos seus candidatos, é parte integrante do próprio sistema democrático e, talvez, em simultâneo, a sua maior virtude e maior risco. Virtude, pois assegura que todos podem participar na partilha do poder, independentemente de classe social, habilitações e ligações familiares; risco, pois permite a ascensão de políticos de duvidosa qualidade técnica e moral, apenas porque conseguiram grande penetração local através das suas relações pessoais ou profissionais.

Podemos, portanto, ter a certeza de que as eleições do próximo dia 12 de outubro serão fulcrais para a definição do nosso futuro. O fortalecimento dos laços que nos unem ao regime político vigente e a salvação da democracia pode ser encontrada num aprofundamento da nossa relação com o poder local, mas a sua deterioração pode também ser acelerada por uma consolidação territorial das forças antidemocráticas. De qualquer modo, teremos lições a tirar, para assegurar que mesmo que esteja longe das cidades, a democracia nunca esteja longe dos corações dos seus líderes e cidadãos. 


 

*As opiniões expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e não refletem necessariamente as posições ou valores de quaisquer outras pessoas, entidades e instituições.

André Francisco Teixeira

André Francisco Teixeira

8 outubro 2025