twitter

Por Entre Linhas e Ideias

Vivemos numa sociedade que transformou o êxito no critério máximo de reconhecimento. Desde cedo, ensina-se às crianças que têm de vencer, que o erro é uma falha grave e que só quem conquista títulos e prémios merece reconhecimento. As redes sociais amplificam esta lógica, erguendo um cenário onde só cabem vitórias, enquanto os erros são escondidos ou motivo de vergonha. Que futuro podemos esperar se transformarmos o fracasso em vergonha em vez de aprendizagem?

Contra esta lógica, o escritor Samuel Beckett deixou-nos uma frase que resiste ao tempo: “Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.” O fracasso não é o fim, mas o motor que nos obriga a reinventar a vida. O importante não é enaltecer a derrota, mas compreender que sem falha não há aprendizagem nem novidade. Também Nietzsche lembrava que a vida não é feita de perfeição, mas de superação, e o seu imperativo “Torna-te quem tu és” continua a recordar-nos que só através das nossas lutas, erros e recomeços alcançamos autenticidade.

Confundimos, no entanto, muitas vezes fracassar com ser fracassado. O primeiro é apenas algo passageiro, como um exame reprovado, um projeto que não resultou ou um objetivo adiado. O segundo é um rótulo injusto, colado à identidade de alguém, como se um episódio definisse uma vida inteira. Essa confusão é perigosa porque impede de arriscar, experimentar e inovar, e quem nunca falha raramente sai da zona de conforto.

Ora, essa verdade confirmou-se também na minha vida. Em 1986, cheguei a Braga para estudar na Faculdade de Filosofia e procurar construir o futuro, mas a solidão, o medo de falhar e a sensação de não estar à altura quase me fizeram desistir. O fracasso parecia acompanhar-me a cada passo, até que encontrei em Félix Augusto Ribeiro, presidente e fundador da APPACDM e editor de livros reconhecido, um exemplo inspirador de força e confiança, que me mostrou como um mestre pode orientar e ajudar a transformar a dificuldade em crescimento.

Deste modo, também na minha experiência como professor aprendi que o fracasso pode ser um ponto de viragem. Vi muitos alunos, com esforço e coragem, transformar dificuldades em conquistas reais. Procurei mostrar-lhes que o fracasso não é um fim, mas parte do caminho que ajuda a crescer, como no filme Treinador Carter, em que Samuel Jackson interpreta o treinador Ken Carter, um homem que acreditou numa equipa de jovens considerados perdidos para a sociedade e sem perspetiva de futuro, mas que através do basquetebol descobriram a força para superar limites e acreditar em si mesmos.

A história tem vários exemplos que confirmam esta verdade. Elvis Presley foi considerado um aluno medíocre e chegou a ouvir que nunca teria sucesso como cantor; Steven Spielberg foi rejeitado três vezes pela escola de cinema e viria a marcar a história da sétima arte; Albert Einstein foi visto como incapaz pelos professores e acabou por revolucionar a ciência. Nenhum deles é rotulado na história como fracassado, mas como exemplos de superação.

Mais uma vez podemos recorrer à filosofia para confirmar esta ideia. Kierkegaard lembrava que “a vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para a frente”. Epicuro defendia que a serenidade nasce não da perfeição, mas da aceitação lúcida da nossa condição limitada. O fracasso mostra-nos a vida como ela é, com erros e limites, mas também com a oportunidade de tentar outra vez. Contudo, quando a sociedade o transforma em vergonha, deixa de ser experiência de crescimento e torna-se fonte de sofrimento.

Por isso, muitos jovens vivem hoje sob a pressão de mostrar desempenhos perfeitos, como sejam médias académicas altas, carreiras ascendentes e vidas impecáveis nas redes sociais. Quando não correspondem a esse ideal, a sensação de falhar abre caminho a ansiedade, depressão e burnout. Não é por acaso que, no século XXI, se multiplicam diagnósticos de doenças do foro psicológico que revelam como a obsessão pelo êxito fragiliza a saúde mental.

É neste ponto que recordo muitas vezes a filosofia de Bernardo del Toro, matemático e pensador colombiano, que nos convida a substituir o paradigma do êxito e do sucesso pela ética do cuidado. Enquanto o primeiro gera competição e exclusão, o segundo promove comunidade, responsabilidade e pertença. Na minha opinião, para que isso aconteça, a escola deve valorizar as humanidades como parte central da formação, pois só uma educação para a reflexão prepara para uma vida em que o fracasso deixa de ser condenação e se converte em oportunidade.

Não quero terminar sem deixar a pergunta aos leitores e que já é o lema destas crónicas:

Estaremos preparados para aceitar o fracasso como parte essencial da vida?

Eugénio Oliveira

Eugénio Oliveira

1 outubro 2025