15 de setembro. As ruas voltaram a encher-se de passos apressados, de mochilas que oscilam no compasso da ansiedade, de vozes infantis que se cruzam com buzinas impacientes.
Para uns, é o primeiro dia. Crianças que atravessam um portão desconhecido com a mão suada colada à de quem as acompanha. O coração bate rápido, os olhos percorrem paredes que parecem gigantes, corredores que se estendem como labirintos, vozes que ainda não têm nome.
Para outros, é apenas a continuação de uma caminhada que já começou antes. Voltam ao espaço familiar, sabem onde fica a janela por onde o sol entra de manhã. Mas mesmo na familiaridade há novidade: novos colegas, novos conteúdos, novos objetivos. Há sempre ansiedade, porque nenhum setembro é igual ao anterior. Há sempre uma expectativa silenciosa.
No centro desse ritual está sempre o mesmo momento. A sala espera. Os alunos já estão sentados, uns a falar baixo, outros a olhar fixamente para o vazio, outros a rabiscar distraidamente o canto do caderno novo. A porta abre-se. O professor entra. E, de repente, tudo começa de verdade.
Os olhos viram-se para ele. Para alguns, o rosto é familiar, o que traz alívio e segurança: “já conheço quem me vai guiar”. Para outros, é uma cara nova, uma incógnita que desperta curiosidade e receio: “como será este ano?”. Mas há algo que todos recebem em comum: o sorriso. Um sorriso firme, sereno, que enche o espaço com uma espécie de tranquilidade. É esse sorriso que acalma o medo, que cria confiança, que transmite a ideia de que, afinal, tudo vai correr bem.
O sorriso, no entanto, é apenas o que se vê. E é aqui que a ilusão começa. Porque por trás dele existe um mundo oculto, uma dor silenciada, uma vida suspensa. O que os alunos não veem, o que os pais não imaginam, o que o país não reconhece, é o preço desse gesto tão simples.
Por trás do sorriso há quilómetros e quilómetros de estrada percorridos na solidão da madrugada. Há um despertador que toca demasiado cedo, quando ainda sobra escuridão lá fora. Há uma despedida que se faz todas as semanas, como se fosse uma pequena rutura, uma ferida diária. O professor pega nas chaves, fecha a porta e sabe que deixa para trás o que mais importa. Sabe que as horas seguintes serão roubadas à vida familiar, à proximidade, ao abraço.
A estrada torna-se então rotina. O volante aperta-se nas mãos como se fosse âncora e prisão ao mesmo tempo. O silêncio do carro é pesado, interrompido apenas pelo som monótono da rádio, que muitas vezes não consegue abafar os pensamentos que se atropelam. E nesses quilómetros de asfalto acumulam-se lágrimas, dúvidas, saudades.
Chega-se à escola. O carro estaciona, a porta abre-se, o corpo levanta-se. O peso da viagem fica ali, parado no banco de trás. Quando entra pela porta da escola, já não há espaço para a fragilidade. A sala espera por alguém inteiro.
Por isso, sorri. Sorri porque os alunos não podem ver a alma cansada. Sorri porque ensinar é também esconder. O sorriso transforma-se em muralha, em armadura, em máscara. É ao mesmo tempo resistência e entrega: resistência à dor e entrega à missão.
E, no entanto, por mais firme que seja, o sorriso não apaga as perguntas. Elas surgem inevitáveis, nos instantes de silêncio, nas pausas entre uma aula e outra, nos regressos pela estrada escura: vale a pena?
Fernando Pessoa escreveu que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Mas a cada madrugada interrompida, a cada quilómetro repetido, a cada abraço adiado, a alma parece encolher. E quando a alma encolhe, quando a esperança se apaga, quando a vocação deixa de ser chama e se transforma em cinza, o que sobra?
15 de setembro devia ser o dia da esperança, do entusiasmo, do recomeço. Mas tornou-se também o dia da contradição: o dia em que celebramos a escola enquanto ignoramos os professores. O dia em que aplaudimos os sorrisos sem reconhecer as lágrimas. O dia em que fingimos que tudo recomeça, quando na verdade muito já se perdeu.