Portugal foi recentemente confrontado com episódios que recordam a fragilidade das nossas infraestruturas: o acidente no Elevador da Glória, em Lisboa, que resultou em vítimas mortais e a memória ainda viva da queda da ponte Hintze Ribeiro, em Entre os Rios, tragédia que ceifou dezenas de vidas. Dois acontecimentos separados por mais de vinte anos, mas que trouxeram para o debate a questão da segurança e a responsabilidade política de quem governa.
O desastre em Lisboa, envolvendo um equipamento centenário e simbólico, mostrou que não basta valorizar o património como peça turística. A avaria até pode ter sido apenas um problema técnico, ainda sem apuramento definitivo, mas não deixa de nos transportar para outros cenários em que escolhas políticas podem custar vidas humanas.
Em matéria de exercício do poder público, a responsabilidade vai além da engenharia. É, antes de mais, uma responsabilidade política. Francisco Sá Carneiro resumiu-a de forma lapidar: “O meu sentimento? Define-se numa palavra: responsabilidade”. Ignorar relatórios técnicos, adiar investimentos ou sacrificar a prevenção em nome de cálculos eleitorais não é apenas um erro de gestão – é um falhanço ético e político. Quando falha a política, falha também a confiança na democracia.
A responsabilidade política é um conceito que tem efeitos concretos e profundos sobre a qualidade da democracia e a confiança dos cidadãos. Estudos da Harvard Kennedy School e da Oxford Research Encyclopedia of Politics mostram que a forma como os políticos assumem – ou não – a sua responsabilidade afeta diretamente a confiança nas instituições, a eficácia das políticas públicas e até a disposição da população em participar na vida cívica.
Segundo Oxford a responsabilização política pode gerar efeitos mistos: em alguns casos reforça a confiança, mas noutros leva ao chamado blame shifting – a tendência dos responsáveis políticos em transferir a culpa para outros organismos ou técnicos, evitando consequências diretas. Harvard sublinha, em estudos recentes, que a transparência por si não chega: só produz mudanças reais quando acompanhada por mecanismos de controlo, fiscalização e vontade política de assumir falhas. O artigo Conceptualizing Responsibility in World Politics (Cambridge, 2024) explica que lacunas de responsabilidade acontecem quando muitos atores têm papéis difusos, mas ninguém assume plenamente a obrigação final. Esse fenómeno é visível também na política local: quando algo corre mal, a responsabilidade dispersa-se entre câmaras, juntas, concessionárias, ministérios, técnicos – e a população fica sem saber a quem pedir contas.
É tempo de eleições autárquicas. Em Braga concorrem ao cargo de edil um inusitado número de candidatos. Uma cidade em expansão acelerada, com forte pressão turística e mobilidade cada vez mais exigente, não pode fingir que estas lições não lhe dizem respeito. Fala-se de eventos culturais, de dinamização económica, de grandes obras e de projetos emblemáticos. Mas pouco se ouve sobre a segurança das infraestruturas municipais, sobre a manutenção regular de estradas, edifícios públicos e transportes.
Os candidatos à presidência da Câmara Municipal de Braga, salvo um ou outro mais conhecedor e experimentado, por vezes parecem esquecer que, acima de tudo, ser autarca é assumir responsabilidade direta sobre a segurança dos cidadãos. Winston Churchill lembrava que “o preço da grandeza é a responsabilidade”. Esta reflexão não é abstrata: aplica-se diretamente a cidades como Braga: ser presidente de Câmara significa, em muito, assumir responsabilidade sobre a vida dos cidadãos – na segurança das estradas, na conservação dos equipamentos públicos, no planeamento urbano que afeta diariamente quem aqui vive. Terão todos os candidatos consciência do enorme peso dessa responsabilidade e das suas consequências? Estarão dispostos a assumir compromissos claros em matéria de fiscalização de infraestruturas, transparência nos relatórios de segurança e investimento contínuo em manutenção? Na cidade bimilenária a responsabilidade é dupla: proteger a população e proteger também o património histórico que dá identidade à cidade.
A política local não é reduzida a inaugurações e slogans. Precisa de mostrar capacidade de assumir a prevenção como prioridade. Os bracarenses têm o direito de exigir aos candidatos que falem disto agora, em campanha, e não apenas depois de um eventual acidente.