Se outrora um povo fomos de marinheiros, heróis e santos, hoje não passamos de mero Zé-povinho de cantores, cozinheiros, fotógrafos... e doutores nem que certos sejam da mula ruça, como antigamente rotulados eram; e enquanto aqueles deram novos mundos ao mundo e alargaram o território à custa de lutas, suor e sangue, estes mais não legam ao país do que sons, paisagens, tachos e... conversa fiada.
Mas se os marinheiros, os heróis e os santos de antanho se agigantaram por mares nunca dantes navegados, deixando escritas páginas de heroísmo e santidade na História de Portugal, os cozinheiros, cantores, fotógrafos e os tais doutores da mula ruça dos nossos tempos não passam de meros rabiscadores de rascunhos de meia tigela e de empreendores de façanhas de caserna. Estou mesmo em crer que não se pode ser um português de primeira sem o assomo e a valentia de Gamas e Cabrais, Mouzinhos e Condestáveis de outros tempos; e, mormente, se não se põe à frente do amor ao dinheiro, às louçainhas e às megalomanias, o amor à Pátria e aos seus desígnios de grandeza e de futuro.
Ademais, se olharmos para o que se vai passando e desenhando neste outrora jardim à beira-mar plantado, o desânimo e a desilusão sobressaem e impõem-se como marcas de idiossincrasia nacional; e se esta for a nossa marca e força de ação, então, caso é para pensarmos e concluirmos que não passamos de uma fraca e desmotivadora amostra do que já fomos como Pátria e Nação a merecermos um lugar traseiro na lista dos povos e das nações do mundo.
Pois bem, quem deambula ou flaneia por estas ruas, praças e largos da nossa augusta cidade não deixa de concluir que, efetivamente, somos mesmo uma bimilenária cidade de cantores, fotógrafos, cozinheiros e certos doutores da mula ruça; e se a cidade tanto cresce e se povoa afincadamente, esta nova casta de agentes públicos tende a alastrar como nódoa de azeite em toalha de puro linho ou pasquim de ocasião, desafiando o mérito e o bairrismo dos bracarenses de pura raça.
Depois, quem laureia a febra por largos, ruas, praças e esplanadas depressa vê que mesmo sem estrelas Michelin os locais de comes e bebes são mais do que as mães; e, se nos dermos à pachorra e à curiosidade maiores, facilmente concluímos que esses chamadoiros dos amigos das panelas e dos tachos alastram pelos espaços públicos como cogumelos em monturos com pouca fidalguia e muito abandono da nossa cozinha mediterrânea.
E, para pior castigo, o peão sofre e tem de andar às curvas a e aos zizezagues para se não esbarrar em chapelórios de sol e mesas de serventia; como tem de aturar muitas vezes os roncos desaustinados e desafinados de músicos de esquina apoiados, na sanfona de cordas ou teclas, servindo canções de pouco gabarito e nenhum enleio.
E, ainda, mesmo de cortar os ares e as paisagens aos penantes, são os fotógrafos de rua, de telemóvel em punho, a fotografar prédios e jardins de qualquer largo, avenida ou praça numa lufa-lufa desbragada para carregar a máquina milagrosa que há-de espalhar pelos amigos, conhecidos, através da net, os retratos, à trouxe-mouxe retratados; e se nos detivermos em algumas esquinas, disfarçadamente, a ouvir os bate-papos dos tais doutores da mula ruça eles mais não passam de arrotos de gastada política e democracia, bem como constantes diarreias de ameaças e maus agoiros de desequilíbrios ecológicos e ambientais; mas sempre numa clara afirmação de que esta dita fauna de cantores, cozinheiros, fotógrafos e doutores da mula ruça, o que serve a quem passa sossegadamente mais não é do que um ramalhete de blá-blá-blá, juntamente comum a uma qualquer amostra de cultura de trazer por casa ou, de desvão de esquina, ou de vão escada.
E, então, caso é para lamentar e até carpir: pobre país que tais filhos desnaturados tem; e, se mais não fora, pelo vazio cultural e civilizacional de que são tristes pioneiros.
Então, até de hoje a oito.