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Democracia local: a revitalização necessária (1)

No próximo dia 12 de Outubro, vamos ter eleições autárquicas. Seja qual for a perspectiva com que cada um de nós as encare, é inegável que representam um dos mais importantes momentos da vida democrática do país, na medida em que representam o nível mais próximo, mais real e mais quotidiano que cada cidadão pode experienciar.

Nesse sentido, é bem verdade a afirmação de que o poder local é a “escola primária” da cidadania ou, como outros afirmam, “a democracia ao pé da porta”. E a sua importância é tanto maior quanto é certo que, historicamente, os municípios representam as mais antigas instituições políticas locais, anteriores mesmo à fundação da nacionalidade.

Pois bem, passado quase meio século sobre as primeiras eleições autárquicas – 12 de Dezembro de 1976 – realizadas em Portugal depois da Revolução dos Cravos, com a garantia constitucional de voto verdadeiramente livre e universal, é tempo de repensar a prática do poder local e de reflectir sobre como poderá ser revitalizada e fortalecida esta democracia de proximidade, por forma a que as autarquias possam cumprir plenamente a sua missão de representar e servir as respectivas comunidades.

Sem pretensões de ordem sistemática e, em grande parte, fruto da observação pessoal de quem exerceu, durante vários mandatos, a deputação em duas das maiores Assembleias Municipais (AM) do Baixo-Minho – Barcelos e Braga –, aqui deixo aos meus estimados leitores meia dúzia de propostas de reformas legislativas que se me afiguram essenciais para garantir uma melhor democracia de proximidade.

Uma nova Lei das Finanças Locais surge, desde logo, na primeira linha desse ímpeto reformista, tanto mais quanto é certo que, fruto das recentes medidas (relativamente) descentralizadoras do anterior governo socialista, as Câmaras Municipais (CM) receberam novas responsabilidades administrativas, designadamente nas áreas da educação, saúde e acção social.

É sabido que não há verdadeira descentralização sem autonomia financeira, sendo certo que, para esse efeito, a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) garante o princípio da suficiência financeira das autarquias locais. E durante muitos e muitos anos, o volume das transferências do Orçamento do Estado (OE) para os municípios rondou um quinto da média europeia que se cifrava em quase 50%.

Ora, apesar de actualmente esse fosso se ter atenuado substancialmente, é patente que as receitas provenientes do OE estão longe de garantir o grosso das despesas com o exercício das competências de funcionamento e de investimento dos municípios portugueses.

De resto, nem mesmo o Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), expressamente criado para fazer face ao recente crescimento das transferências de competências da Administração Central para as Administrações Municipais, foi suficientemente dotado para garantir a estas últimas o exercício das suas novas competências, em ostensiva violação do princípio da suficiência financeira das autarquias locais.

Por outro lado, é preciso garantir que as transferências orçamentais do Estado sejam adequadas a corrigir as assimetrias regionais. E tal objectivo reivindica a adopção de critérios mais justos de repartição de recursos que tomem em consideração dados como a densidade populacional, dispersão territorial, isolamento rural, sazonalidade e elevados custos fixos, o que claramente tem estado longe dos propósitos dos sucessivos governos.

A tudo isto acresce que não basta garantir aos municípios os meios financeiros adequados e proporcionais às novas atribuições: é preciso reconhecer-lhes poderes decisórios efectivos quanto às matérias transferidas, como reclama uma descentralização autêntica. E não foi isso que aconteceu com as últimas leis ditas descentralizadoras, que se limitaram a uma mera transferência administrativa de encargos.

Em segundo lugar, julgo fundamental reforçar legislativamente a preponderância constitucional das AM sobre os executivos camarários. E tal propósito pode alcançar-se tanto por via da consagração legal do efeito da destituição das CM, em caso de aprovação de moções de censura, como por efeito da melhoria das condições de funcionamento, assessoria e financiamento das assembleias municipais.

Efectivamente, não se compreende que estabelecendo a CRP que os orgãos executivos das autarquias locais respondem perante as respectivas assembleias deliberativas e que a lei regulará a destituição daquelas (cfr. artº 239º, nºs 1 e 3 da CRP), a aprovação pelas AM de moções de censura não tenha como efeito legal a destituição das CM, na linha, aliás, da aproximação do modelo autárquico ao da responsabilização do Governo para com a Assembleia da República (AR) que vigora ao nível estadual.

Daí que propugne uma revisão legislativa que preveja que a aprovação pelas AM de moções de censura às CM tenha associada a competência de deliberar a destituição destas, em caso de perda de confiança política ou de violação grave de deveres legais.

Noutro registo, é por demais evidente que a eficácia da grande maioria das AM se acha muito limitada pela insuficiência de meios materiais e humanos para que possam cumprir plenamente a sua função constitucional de orgão deliberativo e fiscalizador.

Na verdade, sendo o grosso dos seus membros eleitos gente sem especiais qualificações e sem grande tempo disponível para obter informações sobre os diversos pontos da ordem de trabalhos das várias reuniões aprazadas, seria de todo conveniente que, ao menos nas áreas de maior responsabilidade municipal (v.g. orçamental, do planeamento e ordenamento do território, social e da educação), fossem criadas, no seio das AM, comissões sectoriais e que os vários grupos parlamentares pudessem ser assessorados por pessoal devidamente preparado e pudessem reunir-se em instalações apropriadas dos municípios.

Para esse efeito, importará que às AM sejam atribuídas maiores receitas próprias (as que habitualmente lhes estão afectadas são absolutamente ridículas e miseráveis!) que lhes permitam, desde logo, a contratação de assessores técnicos de apoio aos grupos parlamentares, tendo naturalmente em conta a dimensão de cada município e a representatividade e grandeza de cada grupo parlamentar.

E se é verdade que em Portugal a lei “não proíbe e antes dá essa permissão”, e que até “há uma assembleia onde tudo isto ocorre que é a de Lisboa”, como bem afirma o meu amigo e prestigiado colaborador deste jornal, Prof. Dr. António Cândido de Oliveira (ver D.M. de 4 do corrente), num país de brandos costumes como o nosso, sempre foi e é preferível a pedagogia impositiva da lei…


 

(Continua em próximo artigo)

António Brochado Pedras

António Brochado Pedras

19 setembro 2025