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“Quo Vadis America?” (5)

1. O livro “Da Liberdade”, de Timothy Snyder, publicado em 2024 nos Estados Unidos, recentemente traduzido, é uma boa base para o tema em epigrafe; após reflectirmos, sobre a situação dos EUA – seja desde a obra do poeta estadunidense Walt Whitman, dos autores d’O Federalista (Hamilton, Madison e Jay), do livro Da Democracia na América de Tocqueville, e da filósofa Hannah Arendt –, recorremos agora à obra do professor da Universidade de Yale, autor também d’“O Caminho para o Fim da Liberdade: Rússia, América, Europa”, e do ‘bestseller’ “Sobre a Tirania” (obra escrita no início da 1ª presidência de Trump), onde desenvolve 20 recomendações para a resistência, entre as quais, não obedecer por antecipação, defender as instituições, respeitar a linguagem, acreditar na verdade (investigando os factos), ser patriota, aprender com o passado, em suma, combater o autoritarismo onde quer que ele exista.


 

2. O autor parte do ensaio “Dois Conceitos de Liberdade” de Isaiah Berlin (1958), que distingue “liberdade negativa” e “liberdade positiva”; se, para Berlin, a distinção entre os dois conceitos assenta na presença ou não da autoridade, para Snyder reside na presença ou não de valores. Comummente, julga-se que a liberdade é ausência de poder do Estado e que somos livres se pudermos fazer o que quisermos; porém, para além da “liberdade de” (negativa), há a “liberdade para” (positiva) – liberdade para projectar, prosperar, correr riscos com vista a futuros por nós escolhidos; por isso, a liberdade nunca deve ser dada como valor adquirido, mas deve cultivar-se em permanência como valor frágil que é. Como escreve Timothy, "liberdade não é uma ausência, mas sim uma presença, uma vida em que escolhemos múltiplos compromissos e concretizamos no mundo combinações desses compromissos". Neste sentido, podemos admitir que as grades de uma prisão não são impedimento para que se mantenha viva a luta por um ideal: Nelson Mandela é o exemplo que logo nos ocorre de liberdade positiva, embora o exemplo escolhido por Snyder seja Zelensky, pela forma como reagiu à oferta de exílio que lhe foi feita, dizendo que não precisava de boleia, mas sim de apoio para defender o seu país.


 

3. Diz ainda o autor: "Cheguei à Ucrânia durante a guerra, enquanto estava a escrever este livro sobre a liberdade. Aqui o tema do livro é palpável, onde quer que estejamos. Um mês depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, falei com alguns políticos, e as respostas eram: “optámos pela liberdade quando decidimos não fugir”, “estamos a combater pela liberdade”, “a liberdade é a escolha”". E mais ouviu Snyder, quando, em pequenas vilas da Ucrânia, ucranianos que viviam em territórios junto à fronteira que tinham sido ocupados pelas tropas russas, consideravam-se libertados não apenas quando elas partiam, mas quando a via-férrea voltava a funcionar. E mais: um soldado num centro de reabilitação em Kiev, disse-me que “liberdade significava toda a gente ter uma oportunidade de cumprir os seus objetivos pessoais depois da guerra” e um veterano à espera duma prótese, que “liberdade seria um sorriso no rosto do seu filho”. Em suma: a liberdade não é apenas estar livre ‘de’ algo (um governo opressivo), mas também ser livre ‘para’ alguma coisa.


 

4. Para Timothy, liberdade e futuro são conceitos entrelaçados entre si; aliás, a falta de futuro na política é o que temos de mais estranho nos nossos dias, com o autoritarismo e o populismo consumindo a democracia. As grandes ideologias do passado – liberalismo, socialismo, comunismo, etc. – ofereciam um futuro – real ou imaginário. E surge a questão: não é estranho, quanto mais se avança no mundo das tecnologias, os jovens tenham dificuldade em imaginar como será o futuro? A falta de futuro, hoje, talvez seja um dos enigmas mais estranhos; a forma como ele desapareceu da linguagem política, e até dos nossos pensamentos quotidianos, é, porventura, o que mais difere a actualidade do último meio século.


 

5. Então, liberdade não é só uma ausência, é também presença numa vida em que escolhemos múltiplos compromissos que almejamos concretizar. A liberdade é, afinal, um valor que se traduz no valor máximo de todos os valores. Numa conversação (in “Le Grand Continent”, 15/02/2025), Snyder desabafa: "Estou chocado com as semelhanças entre os multimilionários de Silicon Valley e os bolcheviques mais radicalizados". A afirmação quer evidenciar os perigos do poder concentrado e de uma visão radicalizada de mudança, venha ela das redes sociais, das elites tecnológicas, alertando sobre os riscos para a democracia. Segundo Snyder, "a União Europeia não é um império, mas uma resposta à impossibilidade de manter impérios".

O livro Da Liberdade é verdadeiramente uma reflexão sobre a liberdade e os seus inimigos. Snyder, reflectindo sobre a triste era que está a surgir nos Estados Unidos, esforça-se por facultar vias para resistir à distopia que Trump se esforça por impor na América.


 

O autor não segue o denominado “acordo ortográfico”

Acílio Estanqueiro Rocha

Acílio Estanqueiro Rocha

13 setembro 2025