twitter

O estado de saúde da nossa III República

Nota prévia

No momento em que começo este artigo sou confrontado com o devastador acidente ocorrido em Lisboa e que tantos mortes provocou. A tragédia, como o Eng. Carlos Moedas já classificou o sucedido, não pode deixar de nos causar uma profunda tristeza e de nos confrontar com a constante fragilidade de muitas das nossas certezas. O tempo dirá qual a causa para ter acontecido o que aconteceu, restando-nos agora lamentar a perda de vidas, desejar que os feridos rapidamente recuperem, e esperar que quem nos visita ou pensa visitar nos continue a considerar aquilo que enquanto país sempre fomos: um destino seguro. 


 

1. Feita a nota prévia, motivada por algo que nenhum de nós gostaria que tivesse existido, gostava de reflectir hoje com os leitores do Diário do Minho, sobre o estado de saúde da nossa III República. É certo que esta designação de III República nem sempre foi consensual e houve mesmo quem tivesse ensaiado a sua substituição. Amaro da Costa, por exemplo, dizia que depois do 25 de Novembro de 1975 deveríamos antes falar de IV República (a III, nesta perspectiva, teria durado apenas de Abril de 1974 a Novembro de 1975), e Mário Soares chegou a dizer que o 25 de Abril nos tinha trazido a II República, uma vez que o regime do Estado Novo não poderia ser considerado um regime republicano. Mas sejam quais forem as considerações que sobre o assunto possamos fazer, a realidade nunca deixou de se impor e a designação de III República, caracterizando o regime implantado após Abril de 1974, fez e continua a fazer o seu caminho. É pois sobre este nosso regime que lhes quero falar, deixando desde já claro que valorizo a Liberdade, que prezo o Estado de Direito e que sempre que me surgem dúvidas ou desilusões com o modo como a Democracia é interpretada me lembro de Churchill e da sua visão realista da vida política. Ele ensinou-nos, e o seu ensinamento continua para mim válido, que por muitas que sejam as incertezas que o regime democrático nos possa causar ele deve ainda assim continuar a merecer o nosso apoio. Podemos não acreditar e não gostar dos governantes, podemos querer mudar todo o sistema político, mas há sempre, mesmo que nos sintamos no limite das nossas convicções, a ideia de que este regime é preferível a qualquer regime ditatorial. E essa ideia aplica-se a quem como eu é Patriota, a quem como eu é Conservador e a quem como eu se encontra desiludido com o estado a que chegámos.

2. E qual o motivo para a desilusão? Nestes cinquenta e um anos não há mudanças dignas de apreço? É evidente que sim! Cada um de nós, pelo menos os menos jovens, sabe bem avaliar o que mudou e para melhor. Porém, o que é positivo não anula, nem de perto, o muito que há de negativo. Identifiquemos dois tópicos concretos para se perceber a razão da minha afirmação: em primeiro lugar a ausência de uma ideia de Portugal e, em segundo lugar, a fraca consistência da economia nacional. Mais tópicos poderiam ser apresentados, mas estes são por agora suficientes para início da nossa conversa. 

Comecemos então pela ideia de Portugal, com uma simples pergunta: desde a adesão de Portugal à CEE alguém pode identificar uma Ideia sustentada de país? O que somos ou queremos ser enquanto Povo? Desculpem a minha resposta, mas somos nada ou muito pouco! Não são os casos isolados de sucesso, individual ou empresarial, que justificam uma conclusão diferente. Há ainda quem se iluda pelo facto de existirem portugueses em cargos de topo mundial ou europeu, mas isso de pouco vale para o país. Na verdade não temos uma Ideia de país pela simples razão de que deixámos de ter estadistas. Temos políticos, muitos e com «p» minúsculo, mas, com honrosas e minoritárias excepções, deixámos de ter quem possua sentido de Estado e veja para além de si próprio e do grupo em que está inserido. Os partidos têm nisto muita responsabilidade, uma vez que, de novo com honrosas e minoritárias excepções, passaram a ser dominados por pessoas mais preocupadas com cargos e lugares de assessoria desconhecendo o que é ou deve ser o interesse nacional. 

Temos depois uma economia débil e não são os casos pontuais de sucesso que nos podem fazer acreditar no contrário. Goste-se ou não vivemos há muitos anos de subsídios. Não temos aliás muita moral para criticar quem não trabalha e vive encostado a um qualquer rendimento mínimo, quando enquanto país temos vivido do dinheiro que recebemos da “Europa”. Em cinquenta anos destruímos a forte indústria naval que possuíamos (e a desculpa de que ela existia em virtude do proteccionismo é uma desculpa quanto a mim pouco consistente), conduzimos à falência empresas de referência como a TAP e relegámos para terceiro plano sectores de afirmação nacional como o Vinho do Porto (a lista poderia continuar mas tornar-se-ia por certo enfadonha para o leitor). Em contrapartida abraçámos o betão, quase só o betão, convencidos que o sucesso dependia da construção nova, mesmo que muita dessa construção não tivesse sustentabilidade. Todavia, como os votos dependiam do novo «campo da bola», do novo «pavilhão multiusos», etc, etc, o país tem caminhado de braço dado com a ignorância e com a falta de senso. 

Em resumo, e sem prejuízo de voltar ao tema, o estado de saúde da nossa III República não é um estado saudável. Não sei quanto mais tempo sobreviverá, mas não lhe auguro grande futuro. 

Manuel Monteiro

Manuel Monteiro

5 setembro 2025