Mais um setembro. Mais um ano letivo que começa. As ruas ganham vida com mochilas às costas, os corredores das escolas enchem-se de passos apressados, de sorrisos tímidos e aquele nervosismo nos olhos de quem chega pela primeira vez. E nós, professores, voltamos também. Uns com o entusiasmo de quem quer fazer diferente, outros ainda a carregar o peso do cansaço do ano letivo passado. Mas voltamos todos, porque, afinal, a escola é um compromisso que se renova sempre.
Setembro leva-me, inevitavelmente, in illo tempore, à minha primeira escola. Faz agora cinquenta e três anos que entrei pela porta da única sala de aula da escola primária de Alvite, Cabeceiras de Basto. Lembro-me bem! Ia descalço e de lousa na mão, olhos tímidos e um nó no estômago que nem sabia explicar. A sala, com chão de terra batida, parecia-me enorme onde se juntavam crianças como eu, da primeira à quarta classe. A professora, com a experiência de quem já vira muitos setembros passar, recebeu-nos com firmeza e uma autoridade serena que jamais esqueci. Recordo as carteiras a ranger, o quadro negro com restos de giz branco, o som do ponteiro a bater na secretária, a voz pausada da professora e o respeito quase sagrado que aquele espaço nos impunha. Foi ali, naquele ambiente simples, mas cheio de promessas, que me dei conta de que aprender podia, de facto, mudar tudo. Hoje, como professor, essa memória acompanha-me como norte e também com saudade.
Muita coisa mudou, entretanto, na escola: tecnologias, plataformas digitais, relatórios, avaliações e reuniões que não param, mas há algo que permanece intacto no coração da escola: ela continua a ser um lugar de encontros de pessoas, de ideias, de desafios e de afetos. A escola mantém-se um espaço onde se vai muito para além dos manuais, onde se aprende a estar, a ouvir, a crescer com os outros. É por isso que continuamos a gostar da escola!
Neste setembro, quero deixar uma palavra para todos os professores que, ano após ano, resistem ao desencanto. Os professores continuam a dar mais do que lhes é pedido. Não se limitam a ensinar conteúdos, mas cultivam nas suas salas de aula o pensamento livre, a empatia e a esperança de que a educação ainda pode mudar destinos. É neles que me revejo. E é por eles que ainda acredito que a escola é um lugar onde se criam vínculos e se partilham histórias.
Educar é, acima de tudo, um gesto nobre. É preparar o terreno para que crianças e jovens cresçam com sentido, autonomia e dignidade. E esse gesto é partilhado por muitos: professores, pais, técnicos especializados, assistentes operacionais e por todos os que fazem da escola um lugar possível. Sou professor, e sei que ser professor não é apenas uma profissão, é um compromisso profundo com cada criança e jovem que entra na nossa sala. É acreditar, mesmo quando o cansaço pesa e os desafios parecem maiores, que podemos fazer a diferença, que podemos abrir portas para o pensamento e para a participação democrática no mundo. Recordo as palavras do pedagogo construtivista Jean Piaget: “O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram.” Talvez esse seja o nosso maior desafio, ou seja, deixar de repetir, para verdadeiramente recomeçar.
Curiosamente, a palavra “escola” na sua etimologia grega, significava tempo livre, tempo para pensar, crescer e discutir e que é precisamente o oposto da pressa e da pressão que hoje tanto sentimos na escola. Talvez esteja na hora de resgatar esse sentido: devolver à escola o tempo para formar pensamento, e não apenas para produzir resultados.
Não quero terminar este artigo sem deixar aos nossos leitores uma pergunta que não é mais do que um convite à reflexão partilhada, nos corredores da escola, nas reuniões, nos cafés ou nas conversas em família.
É uma daquelas perguntas inquietantes e inevitáveis que o mês de setembro e a escola nos colocam, com a subtileza de quem nos convida a parar e pensar:
Estaremos realmente a recomeçar ou limitamo-nos a repetir o que sempre fizemos?