Efetivamente os acontecimentos deste verão tornaram o nosso país uma ‘terra queimada’, sobretudo nas regiões norte e centro. Semanas a fio fomos confrontados com incêndios florestais que dizimaram mais de 250 mil hectares de floresta, o que corresponde a quase três por cento do território florestado.
1. Perante esta tragédia nacional poucos parecem interessados em encontrar as verdadeiras causas, quedando-se meramente pelas consequências… por vezes alienatórias. Há tabus que será difícil de tocar, nem que seja ao-de-leve, pois deixam mais marcas do que as chamas: qual o papel dos que apagam os fogos (bombeiros, autoridades, autarquias, forças de segurança, populações) de verdade e não nas filmagens? A aposta no combate disfarça a não-aposta programada na prevenção? Onde começa a função do Estado e se insere a capacidade dos particulares? Depois de tantos dramas, ainda não aprendemos a lidar com o fenómeno dos fogos florestais e o modo de os enfrentar com métodos adequados a este tempo? Qual a parte de incentivo, de difusão ou de propagação da comunicação social nas notícias sobre as pequenas localidades, durante certos dias nos relatos de incêndios? Embora os pirómanos sejam detetados por que são há um programa de dissuasão e/ou de repressão com resultados aceitáveis? Teremos de viver com estes acontecimentos de forma cíclica e sem bonança, anualmente?
2. Há coisas que se explicam e outras que são mistério, adensado com uma nítida inconsciência coletiva: falta solidariedade nacional entre os que são vítimas dos fogos e o resto da população, isto é, uns que sofrem e que tentam desencascar-se e outros que vivem flauteados nas praias e no remanso das férias, alheando-se daqueles ou vendo-os na pantalha como num filme… A estratégia de culpar o governo e as autoridades porque não são vistos nas imediações dos incêndios soa a manipulação e configura uma promoção do populismo barato a quem está fora das ondas do poder… Não tenho procuração para defendê-los, é só análise de cidadão… Alguns fazem comentários nas redes sociais, mas não se sabe de onde proferem tais atoardas. Outros fazem-se mostrar a levar coisas de ajuda aos bombeiros, mas no intervalo funcionam como incendiários nas declarações que proferem. Olha-se para a árvore, mas esquece-se a floresta, essa sim vítima da incúria noutras épocas do ano…
3. Já era tempo de sabermos o que desejamos para a riqueza da nossa floresta, que cobre 36% do território e ocupa 3,2 milhões de hectares. A propriedade florestal é 84% detida por pequenos proprietários e empresas industriais; as áreas comunitárias correspondem a 14% e apenas 2% são de domínio público.
Mesmo sem disso nos apercebermos há uma luta (dialético-marxista) subjacente a este tema dos incêndios, pois podemos encontrar a referida resistência entre privado e público, auspiciando este que aquele falhe para dele se apropriar nem que mais não seja pela expropriação direta ou tácita. Veja-se como certas forças, insufladas de princípios sociais de pseudoesquerda, se agigantam para combater aquilo que possa parecer a relevância da iniciativa não-estatal ou da propriedade privada.
4. Não deixa de ser uma espécie de arrogância do poder – mais presumido do que efetivo – o teor dos comentários pronunciados nos estúdios de ar condicionado – longe das frentes de luta e de defesa dos bens e das pessoas aflitas – sobre estratégias e mecanismos de defesa da floresta, mas que dela nem o cheiro nunca sentiram. Há ideólogos que nem sabem o que dizem e tão pouco dizem o que sabem, pois, estão desfasados da realidade mínima e tagarelam palavras que entretêm os incautos e fazem dos seus ouvintes marionetas da ignorância. De facto, falta a mínima humildade a certos opinadores, pois da sua cátedra dogmática aliciam quem anda a correr na voragem do tempo – com os bombeiros em realce – e na superficialidade do quotidiano, veiculado por uma comunicação social não-independente…
5. Da terra queimada muitas vezes emergem novas sementes com mais vigor porque alimentadas das cinzas, que adubam sementeiras de esperança. Ainda não o vemos?