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Urge amaciar o Sol

É um agudo desafio colocado a arquitetos, de edificações e paisagistas, a construtores e a engenheiros civis, e sobretudo aos políticos autárquicos, os responsáveis maiores na gestão do espaço local, porquanto é um verdadeiro problema, crescentemente penoso, para todos os habitantes das cidades, como sucede na Braga que eu e muitos dos leitores do DM habitam. 

Refiro-me às temperaturas opressivas que envolvem Braga, durante as ondas de calor que, por períodos tendencialmente mais dilatados, têm vindo a fustigar Portugal e toda a Europa Mediterrânica. Ainda que em tempos já tenha abordado a questão na “Opinião DM”, sempre assumindo a minha condição de não especialista no assunto, patente a sua exacerbação, justifica-se uma nova e preocupada incursão reflexiva. 

No verão, o sufoco climático em Braga não é propriamente uma novidade para quem, como eu, vasculhou, aturadamente, a imprensa da cidade entre finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Pude ler diversas lamentações sobre a canícula que submergia a cidade de Braga nesse tempo, enquanto os articulistas de então reclamavam (oh, que velhas, mas úteis soluções…) mais arborização nos espaços da urbe, para acalmar o impiedoso Sol e melhorar a qualidade do ar. 

Hoje, os bracarenses que já carreguem algumas décadas de vida – com memórias desde os anos oitenta do século passado, ao menos – constatam, certamente, que a cidade multiplicou o seu espaço urbano no tempo entretanto transcorrido, mas de uma forma ecologicamente desequilibrada, teimosamente avessa ao conforto climático. 

Precisando: na alargada transição dos séculos XX/XXI, em Braga, quase parece que se plantaram mais edifícios do que árvores, o espaço urbano dilatou-se num lastro de cimento e alcatrão, com uma comum profusão de prédios contíguos (Fujacal, Carandá, Montélios, envolvente ao Braga Parque, urbanizações em Lamaçães, S. Vicente,…) entrecortados por esparsas árvores que não amenizam o efeito causticante, demolidor, da intensa radiação solar no verão. Ainda que algumas vozes, e designadamente “reformados políticos” locais da época, possam contrapor que nesse tempo o acesso à propriedade urbana se democratizou na cidade, quando hoje está quase elitizado (como o sucede em todo o país, lamentavelmente), tal não obsta a que o problema de uma Braga tórrida subsista, evidenciando tendência para o agravamento. 

Também não é difícil constatar que da gestão autárquica subsequente à longa governação socialista da urbe – agora, já com doze anos de curso – não sobreveio particular mudança, ou seja, o verde não irradiou, a arborização do espaço urbano não ganhou protagonismo, as construções continuaram a estender-se entremeadas por tímidos, insuficientes, espaços verdes. Que a qualidade do isolamento das mais recentes edificações tenha melhorado, por imposição legal, todos o sabemos. Que os PDMs (Planos Diretores Municipais) condicionaram algo a afirmação das até então comuns selvas de betão e alcatrão, pode reconhecer-se, mas é pouco. 

É necessária vontade política (e a nova lei dos solos ajuda?), deveras. É necessário diminuir a densidade espacial do betão e do alcatrão na urbe (para travar ou acalmar o efeito das designadas “ilhas de calor”), cedendo mais espaço para o verde, sobretudo das árvores, pois os jardins, ainda que bonitos e aprazíveis, assumem um efeito essencialmente decorativo. 

A progressiva difusão da motorização elétrica no transporte individual (ou as comuns bicicletas, que reclamam mais privilégio na circulação) pode atenuar a poluição e, por essa via, contribuir para um arrefecimento da cidade, mas, de permeio, importa melhorar o transporte público (a gratuitidade que hoje ganha adeptos nas diferentes propostas políticas locais releva, mas a qualidade energética dos veículos, o conforto, as rotas e a respetiva frequência contam muito), para o tornar mais atrativo face ao transporte individual.

Um conhecido provérbio, que valoriza o esforço individual, sustenta que “O Sol quando nasce é para todos, mas a sombra é para quem a Planta”. Se nos abstrairmos da metáfora, podemos assumir, literalmente, que hoje o Sol estival é demais para todos em Portugal: nestes verões do nosso escaldamento, que trazem incêndios e muito desconforto em todo o país que não bordeja o mar. Não devemos nem podemos apagar o Sol (e temos vindo a atiçá-lo, ao invés), mas podemos amaciá-lo com inteligência, com boas políticas ambientais. 

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

15 agosto 2025