twitter

A Ilha e o sorteio dos governantes

Devido a uma carta recebida, desloquei-me em Junho passado, à cidade de Hobart, capital da Ilha South East, sob administração da Austrália.


 

O autor da carta, amigo antigo, solicitou a minha presença na referida Ilha, uma vez que lhe garantiram somente quatro a cinco meses de vida e queria ver-me e fosse seu herdeiro de cem mil euros. Antecipadamente transferiu-me a importância necessária para as deslocações e iniciei viagem, acompanhado de um bagageiro e um segurança.


 

O meu amigo Komiscua é um homem de setenta anos, baixo, testa alta, nariz de papagaio, de olhos rasgados, orelhas curtas e com dentes acriançados. Mas é inteligentíssimo!


 

Licenciado em filosofia, numa das melhores universidades da Grécia; em psicologia, no Canadá e, em sociologia, na Alemanha, Komiscua é homem simples e grande democrata, parece-me. Enriqueceu como administrador de uma empresa de electricidade, sem ter habilitação para tal.

Chegado a sua casa, fizemos festa, falamos de política, de religiões, do covi-19 em Portugal e, como não podia deixar de ser, falamos da nossa presença na União Europeia.


 

- Sabes, grande amigo - disse Komiscua - sei que o teu país vive em crise permanente. Há muitos pobres, muita sacanice e tacanhice política, jactância, burlões etc. E eis a razão por que, desconfiando que és também um pobre de Portugal, quero fazer-te meu herdeiro. Mas o grande mal - continuou Komiscua - é que os homens inteligentes do teu país se têm recusado a exercer política em Portugal, por sempre ser infecciosa e, tantas vezes, políticas ingénuas e de tretas.


 

- Mas o povo português vota livremente e escolhe os governantes! - Interrompi-o.


 

“- Isso é simplesmente fachada! Os políticos e os vossos partidos políticos, não trabalham, não têm pés nem mãos, caçam, comem e rastejam como a serpente: não se formam, não se educam, não lhes interessa o povo. São raposas à porta de capoeiras. 

Aqui, nesta nossa república - continuou - só resulta um único estilo de democracia: sorteamos um Régulo por um ano, autoridade máxima. Depois num recipiente especial, chamado o “Pote dos Governantes", colocamos os nomes de todos os residentes da Ilha com mais de quarenta anos até aos sessenta, para serem sorteados e governar. Uma criança de dez anos, de seis em seis meses tira do Pote os nomes necessários para formarem governo e sorteamos ainda os elementos do Parlamento, que exercem por seis meses o mandato. 

Esta democracia avançada permite que todos tenham possibilidades de governar, uma vez que os anteriormente sorteados jamais terão possibilidades de segundo mandato. 

Tal sistema, inspirado, aceite e implantado (democraticamente) por mim, permite a não existência do compadrio, das camarilhas, das negociatas, da fuga às obrigações, etc. Assim, tudo é perfeito, porque todos os sorteados têm pouco tempo para serem transgressores”.


 

- Mas - interrompi novamente - e se algum dos sorteados sair parvo ou perverso, incompetente ou madraço?


 

- Bem - respondeu Komiscua. Aqui todos ganham bem. Depois os governantes ganham por mês vinte vezes mais daquilo que ganhavam como empregados. Por isso o povo é exigente e, dificilmente há madraços, mentirosos ou incompetentes. Nesta Ilha, somente um género de pessoas não entra no "Pote dos Governantes: que são os loucos, uma vez que a Ilha exige homens que sirvam o povo. No teu país governam os loucos e os pretensiosos.


 

- Desculpa, Komiscua, a interrupção. Mas na Ilha há presos políticos?


 

“- Nós cá damos absoluta prioridade aos anseios e às necessidades do povo, em primeiríssimo lugar! Temos por toda a Ilha salas de ensino com os melhores professores do mundo para falarem de todas as religiões e de todos os ideais políticos. Só que, se existir um professor que tente influenciar, obrigar ou comprar qualquer ilhéu para seguir certa religião ou ideal político, é preso.


 

- Vamos lá ver, Komiscua. - Nada disseste dos incompetentes ou madraços que possam ter sido governantes! - Interroguei.


 

“- Cá na Ilha quando se provar incompetência e madracismo nesses governantes, são destituídos do lugar, comunica-se a toda a Ilha e, de seguida, são colocados numa jaula de ferro por trinta dias, na cidade mais próxima do governante “defeituoso” e dá-se-lhe comida mínima dia-sim-dia-não”.


 

Passei três dias na Ilha do Komiscua e, durante a noite pensava na democracia local e nos conselhos dados a aplicar no meu país. Respeitei o dia e a hora da partida e, na bagagem foi guardado o cheque da herança anunciada.


 

Apresentando-me no Banco para receber a herança, verificou-se que faltava no cheque uma assinatura e o prazo nele impresso tinha terminado há mais de um ano.

Artur Soares

Artur Soares

15 agosto 2025