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Depois do funeral: o que acontece ao luto quando os outros voltam à rotina?

Depois do funeral, todos se foram e eu fiquei ali, com o eco do silêncio. A casa estava cheia de coisas, mas faltava o essencial: a presença de quem partiu.” – Estas são frases escutadas tantas vezes depois da despedida.


 

Há um momento que marca a maioria dos processos de luto e que quase ninguém ousa nomear: o dia seguinte ao funeral. Quando os abraços cessam, as mensagens diminuem, a casa esvazia. Quando todos voltam à sua rotina e à “normalidade” das suas vidas. Quando o mundo continua, mas o enlutado fica, ali, parado no tempo, a tentar perceber como é que a sua vida mudou de forma tão brusca e irreversível. É nesse instante, muitas vezes, que o luto começa verdadeiramente.


 

Durante os dias que rodeiam a morte, as pessoas vêm, telefonam, fazem companhia.
A dor parece, por momentos, um pouco mais suportável pelo calor humano que a envolve.
Mas esta presença, por mais bem-intencionada que seja, tem prazo. Porque a vida lá fora não parou. As pessoas precisam de seguir. Só que a vida do enlutado, essa, parece ter ficado em suspenso.


 

Instala-se a ausência. Não só de quem morreu, mas também de quem ficou. De quem se afasta. 
De quem não sabe o que dizer. De quem muda de passeio para evitar o incómodo da dor. A casa enche-se de silêncios. E o coração também.


 

O luto é uma jornada pessoal que só pode ser vivida pelo próprio enlutado. Esta é uma verdade dura e bonita ao mesmo tempo. Dura, porque implica solidão. Bonita, porque é nessa jornada que se descobrem forças, feridas, memórias, raízes. Mas o facto de ser uma jornada pessoal não significa que precise de ser solitária. É necessária presença, mesmo quando não há palavras.


E, muitas vezes, sobram palavras desnecessárias quando a sociedade não compreende o tempo do luto:

“Ainda estás assim?”

“Já passou tanto tempo.”

“Tens de ser forte.”

“Ele não gostaria de te ver triste.”

Frases como estas, mesmo ditas com “boa intenção”, magoam. Negam a legitimidade da dor. Apressam uma cicatrização que só pode acontecer por dentro, ao seu próprio tempo. O luto ora é mais suave, ora mais pesado. E cada passo leva tempo a ser aprendido. O que para fora pode parecer apatia, para dentro pode ser sobrevivência. 


 

Em tempos antigos, o luto não era escondido – era vivido com o corpo inteiro e era reconhecido como um tempo à parte. Um tempo suspenso. Havia sinais visíveis da dor e, com eles, havia permissão para senti-la. Havia espaço para o choro, para o silêncio, para a saudade que não tem palavras. Hoje, vivemos demasiado depressa. A sociedade empurra-nos para o retorno imediato à rotina, como se o mundo interior obedecesse ao relógio exterior. E esquecemo-nos que a dor precisa de ser nomeada, escutada, respeitada.


 

O luto não desaparece. Ele muda de forma. Vai-se transformando, oscilando entre o vazio e a memória, entre o abismo e o amor que permanece. E, se for acolhido com ternura, pode tornar-se fonte de compaixão profunda por si mesmo, pelos outros, pela fragilidade da vida.


 

O consolo começa num gesto simples. Começa quando reconhecemos que a dor existe, que é válida, que tem lugar. Quando deixamos de tentar apressar ou corrigir o luto do outro, e simplesmente… ficamos. Ficamos com quem sofre, não para dizer algo, mas para dizer com o corpo:

“Podes chorar. Eu fico contigo.”

“Não estás sozinho.”

“Não tens de te apressar.”

Depois do funeral, começa o verdadeiro luto. E nesse caminho invisível e tantas vezes solitário, a presença de alguém – mesmo silenciosa ou discreta – pode ser a diferença entre quebrar… ou florescer.

Clarisse Queirós

Clarisse Queirós

12 agosto 2025