Uma vaga de calor quase extremo pôs o país a tremer, não de frio mas de medo e insegurança: mais mortos (do que o habitual), incêndios desgastantes e sinistros, prejuízo nos meios rurais, agravamento das condições climatéricas… à mistura com alterações repentinas nas festas populares (religiosas ou outras), horas a fio nas televisões com cenas de horror e terror, nada parecendo de diferente de outros anos, pois a memória é curta e tantas vezes voraz.
1. Rapidamente foi ultrapassada a fasquia do território ardido anteriormente – seja por comparação homóloga, seja no âmbito geral – embora a incidência das deflagrações varie pouco da região norte e até à zona centro do país: as memórias fazem-se de ciclos de dez anos, comparando o agora com o antes. Os intervenientes são quase sempre os mesmos: bombeiros, elementos da Guarda Republicana, meios aéreos (aviões e helicópteros), autarcas atingidos, populações fustigadas e uns tais abutres sedentos por tragédia, situações de crise e, se possível, mortes, esses a que ainda chamam de comunicação social, nada divergindo nas imagens, embora coloquem maior ou menor carga sopra dos estúdios sem outras notícias…
2. Tomando por referência o aparecimento das localidades nas notícias, tenho a impressão que muitos dos fogos diminuiriam se aparecessem menos nas televisões, pois aqueles acontecimentos podem ser oportunidade de que uma determinada terra apareça nas notícias, saindo, assim, do anonimato e dando cobertura a alguma faceta turística a apresentar. Ainda fumegavam as últimas estevas e já os ‘passadiços do Paiva’ se tornavam atração para turistas nacionais e estrangeiros… Por que não fazem autocensura as televisões para não alarmarem o resto do país? Por que não reduzem ao mínimo as imagens de fogos, isso não contribuiria para apagar pretensões de certos interesses nem sempre claros? Não será, minimamente, doentio explorar os sentimentos de perda de tantas pessoas atingidas pelos incêndios? Vivendo na era do espetáculo dá a impressão que tudo serve para influenciar… até um dia!
3. Tem vindo a acontecer com maior regularidade a suspensão de uso de fogo-de-artifício por ocasião dos tempos de incêndios. Em muitos casos o condicionamento aconteceu por breves dias, só que isso pode atingir a realização de alguma festa (religiosa ou popular), suspendendo, de forma geral e de momentos especial, o manuseamento de foguetes e de outros artefactos. Não seria de considerar que as ‘comissões de festas’ e os respetivos pirotécnicos tivessem essa possibilidade logo na hora dos contratos? Talvez dessa forma se defendessem todos e os que são impedidos de usar foguetes se pudessem salvaguardar junto das populações e das autoridades. A fasquia de ter muitos foguetes deixaria de contar para a classificação popular das festas realizadas! Já que o bom senso não impera de uma forma poderia ser servido de outra…
4. Se há momento em que podemos constatar que somos um país bipolar – na mentalidade, na cultura e nos indícios – é por ocasião dos incêndios florestais: uns que lutam contra o fogo e outros que se deliciam com as praias e lugares de veraneio; uns que combatem as chamas propagadas nos montes e serras abandonadas do interior desertificado e outros (talvez desses que figuram para o litoral abandonando terras e campos) aligeirando as culpas com viverem noutros espaços urbanizados, sabe lá a que custo; uns lutando contra os sinais de mudanças climáticas e outros usufruindo das condições que essas lhes criaram para ser divertirem…
5. Pena é que os legisladores, os políticos e mesmo os autarcas, se esqueçam de onde vieram, pois a raízes de boa parte deles está infundida nas terras que agora ardem e para as quais pouco ou nada fizeram senão terem dados aos invasores das metrópoles de média qualidade aquilo de que poderiam usufruir nos espaços que lhes falam de memória. Temos o que merecemos e pouco ou nada temos feitos para inverter a inclinação para a orla marítima, antes pelo contrário deixamo-nos manipular pelas ‘regalias’ urbanas e abandonamos aquilo que nos faz ser. Temos muito a refletir e a aprender, mesmo naquilo que à Igreja (católica ou outra) diz respeito: o país treme de calor e poderá perder a identidade senão ousar mudar!