Corre uma ligeira brisa na Praia da Lagoa. Mês de Agosto. Logo no princípio. E eu sentado no areal mesmo a dois dedos de distância da rebentação, com o meu iPad assente nos joelhos, já bastante coçado pela escrita de largas centenas de trabalhos para o Diário do Minho, aprecio a paisagem marinha com enlevo e admiração. E vislumbro uma das quatro maravilhas divinas. O mar sereno, de maré baixa, convida a levar os olhos pelo horizonte azulado até vermos o mar a cair no abismo, o que suscitou, no medievo, o aparecimento de contos de figuras monstruosas que engoliam as frágeis caravelas quinhentistas. Ao meu lado, as crianças, sempre irrequietas, brincam com os seus camaroeiros na pesca de minúsculos peixinhos e de camarões que os aprisionam num balde. Um pouco mais ao lado, os mais velhos, em conversas descomprometidas, estão sentados nas fragas escarpadas com os pés mergulhados nas pequenas poças de água salgada. Outros, estirados nas toalhas se refastelam no areal quente, aproveitando o sol que lhes vai dando uma cor bronzeada. O silêncio da praia só é cortado pela azáfama da criançada e pelos murmúrios aprazíveis do ondulação desvigorada.
E eu sentado nas areias húmidas, percorro ao de leve o meu horizonte das memórias. Entro, num ápice, no mundo das minhas Escolas. Sim, memórias?! Saudades? Sim, tenho. Saudades dos tempos do vigor e das Escolas por onde andei. Espaços carinhosos, ingénuos, cheios de vida e de alma. E recordo aquela turma esplêndida de entrega e de entusiasmo que me acarinhava com manifestações infantis, autênticas e sentidas, todos os dias. Recordo muitos e muitos alunos. Recordo, aquele encontro fortuito no mercado, uma antiga aluna, hoje uma senhora de 46 anos, que me fitava com os seus olhos azuis: “olha o meu professor! Há tantos anos que não o via”. E eu, ultrapassada a surpresa, lhe respondi: “a minha linda Cristina Rocha”! “O quê? Ainda sabe o meu nome?” “Sim, eu respondi laconicamente: não me esqueço do meu “rebanho”. Conversamos longamente. Coisas da Escola, da vida, das experiências, dos companheiros, dos sonhos concretizados e que ainda estão por concretizar. Fiquei a saber que é casada e tem dois filhotes. Construiu casa e tem uma vida estabilizada. Fiquei feliz. O marido ao lado ouvia a conversa de olhos esbugalhados. Recordo também ainda uma outra antiga aluna. A Ana Luísa, uma menina bonita, um “diabinho” em pessoa, que me convidou para o seu casamento. Tive todo o gosto em participar e partilhar este lindíssimo enlace. Dois jovens que uniram os seus corações sob a Mão de Deus. Dias mais tarde, enviou-me esta sua recordação escolar de gratidão que muito me sensibilizou: “Não se esqueça de uma coisa: o professor fez toda a diferença na minha vida e na vida de todos os alunos que passaram por si. Tive muitos professores durante o meu percurso escolar, mas professor amigo só ficou um”.
A Escola, de facto, foi o meu mundo. O meu abrigo. A minha vida e em exclusividade. Onde muito aprendi. Onde me diverti. Onde fiz muitos e muitos amigos que ainda hoje me respeitam e me acarinham. A Escola tem, claramente, esta dimensão profundamente humana: formar, socializar, conviver, partilhar. E recordar. A ver miúdos a desabrochar.
A Escola é, pela sua natureza descobridora e desafiadora, a chave certa para se abrir as portas do futuro. De um futuro tranquilo.
E eu sentado na areia húmida a ver o mar avançando preguiçosamente no areal, numa tarde de sol quente com uma brisa fresca a embalar todas as minhas recordações. Saudades, sim! Da Escola e da miudagem. Resta-me, simplesmente, recordar.