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Recuperar o domingo

1. Embora por motivos diferentes, estou de acordo com os que defendem o encerramento das grandes superfícies ao domingo. E vou mais longe: também as provas desportivas que se efetuam aos domingos deveriam passar para o sábado ou para qualquer outro dia da semana.

Sei que esta ideia tem muitos opositores mas é a minha convicção. E se pretendermos, de facto, enveredar por uma sociedade mais humana, onde o bem da pessoa esteja no centro das preocupações, é para aí que devemos caminhar.

Se o consumismo continuar a impor as suas leis e a grande preocupação forem os euros de lucro… Mas não me parece que uma sociedade regida por critérios consumistas e economicistas, que andam associados, seja a que melhor serve a pessoa humana.


 

2. É evidente que o descanso dominical tem atrás de si motivos religiosos. E recuperar o domingo também é opor-se à sua crescente paganização.

Não é sem motivo que ao primeiro dia da semana chamamos domingo, do latim dies Dominica: o dia do Senhor. Do Senhor a quem os homens devem prestar culto e do Senhor que pretende que os homens sejam cada vez mais homens e vivam cada vez mais felizes.

A multiplicidade de dias santos, que noutros tempos existiu, foi provocada pelo motivo caritativo de aliviar os que faziam trabalhos de escravos, ordenando-se aos senhores que os não obrigassem a trabalhar nesses dias. Porque, depois, a realidade laboral se alterou, a escravatura foi teoricamente abolida e passaram a vigorar contratos e horários de trabalho, a Igreja aceitou que alguns dos dias santos fossem suprimidos.


 

3. A narrativa bíblica do Génesis – em que é necessário saber distinguir a mensagem que se transmite da forma como é transmitida -– é inequívoca. Deus criou o mundo em seis dias e ao sétimo descansou. O descanso é inerente à condição da pessoa humana.

Diz-se que o domingo deve ser um dia em que o homem, liberto de outras ocupações, tem a oportunidade de pensar mais em si, na família, em Deus.

O domingo, liberto de outras atividades, permite ao homem voltar-se sobre si mesmo. Olhar para si. Refletir sobre como e para que vive.

Permite o domingo, liberto de outras ocupações, que a família se encontre, o que é fundamental para o bom desenvolvimento da sociedade.

Com o sistema de vida que temos quase não há tempo, nos dias de semana, para que os membros da mesma família se encontrem. Recuperar o domingo também permite o almoço em família, sem pressas, sem televisão, sem tablet, sem telemóvel.


 

4. Há que remar contra o individualismo egoísta que está a pretender impor-se, com nefastas consequências: a sociedade desumana do salve-se quem puder; do que o que importa é que eu esteja bem e os outros que se arranjem.

Libertar o domingo de outras ocupações é dar ao homem a possibilidade de ser verdadeiramente pessoa: um ser em relação. Um ser que procura conviver. Um ser que se preocupa com os outros. Um ser que visita pessoas doentes ou que vivem em solidão. Um ser que cria amizades e procura fazer do mundo uma grande família. Por isso se afirma também que o domingo dá ao homem tempo para a prática da solidariedade ou, em linguagem cristã, da caridade.

Um domingo liberto de outras ocupações ajuda o homem, saindo do tal individualismo, a tomar consciência de que é um membro de uma comunidade e também, em comunidade, se deve encontrar para louvar o Criador. Daí o preceito cristão da Eucaristia dominical que, mais do que preceito, deveria surgir como que de uma espontânea necessidade do ser finito que o homem é, desejoso de celebrar a vitória sobre a morte, que foi a Ressurreição de Jesus.


 

5. Recuperar o domingo, restituindo-o ao homem, a fim de que o viva para si, para os outros e para Deus, é uma necessidade.

Bom seria que a questão dos horários das grandes superfícies proporcionasse uma séria reflexão em que a pessoa humana fosse mais e melhor servida. Todavia, uma votação efetuada no passado dia 27 de junho na Assembleia da República chumbou uma proposta que previa o encerramento do comércio aos domingos e feriados e a redução do período de funcionamento destes espaços até às 22h00. PSD, PS, IL e CDS-PP votaram contra.

Silva Araújo

Silva Araújo

7 agosto 2025