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Educar para Pensar: A Escola como Espaço Ético e Democrático

Com o ano letivo a terminar, inicia-se o habitual tempo de pausa, descanso e balanço, mas também de preparação para um novo ciclo que se adivinha exigente e transformador, com algumas mudanças importantes à vista. Entre as reformas anunciadas para o próximo ano letivo, destacam-se a esperada revisão das Aprendizagens Essenciais, a alteração do Referencial de Educação para o Desenvolvimento, bem como novas diretivas sobre a utilização de dispositivos móveis em contexto escolar – cuja proibição visa, não sem controvérsia, recentrar a atenção dos alunos no espaço da sala de aula. Paralelamente, o Ministério da Educação e no sentido de colmatar a falta de professores avançou com incentivos destinados aos professores que possuem redução da componente letiva por idade para que possam ocupar essas horas traduzidas em componente não letiva com atividades letivas, sendo remunerados por elas como horas extraordinárias. Soma-se a isto a intenção de fortalecer a formação inicial de professores, reconhecendo finalmente o impacto estrutural da crise no recrutamento docente. No entanto, por detrás deste conjunto de medidas, permanece uma inquietação de fundo: será que estas respostas técnico-administrativas tocam no essencial? Estaremos, de facto, a repensar o modelo educativo ou apenas a reagir à superfície de um sistema em erosão lenta, que continua a marginalizar a missão formadora e humanizadora da escola? 

O problema parece ser profundo, estrutural e silencioso, que continua por resolver: a secundarização das Humanidades e a consequente degradação do pensamento crítico, ético e reflexivo nas escolas.

Immanuel Kant afirmou que “o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”. Esta visão continua atual: a educação não é apenas um instrumento técnico, mas a via pela qual contruímos humanidade, sentido e liberdade.

Vivemos, no entanto, num sistema educativo que parece responder mais ao apelo do mercado do que à necessidade de formar cidadãos. A obsessão pelas disciplinas tecnocientíficas tem promovido uma lógica de sucesso centrada no rendimento, no resultado, no ganho rápido. E, ao fazê-lo, está a deslocar para um plano inferior tudo o que não se traduz em números ou algoritmos.

As Humanidades e áreas com a História, Filosofia, Antropologia, Ciência Política são hoje vistas como um luxo. Quando deviam ser o alicerce. Há um desequilíbrio grave na distribuição curricular: enquanto certas áreas se reforçam com cargas horárias crescentes, as Humanidades tornam-se marginais, opcionais ou periféricas. A própria língua portuguesa, que devia ser o eixo transversal de toda a prática pedagógica, tem vindo a ser reduzida a um conjunto de competências avaliadas mecanicamente, em vez de ser tratada como ferramenta de pensamento, identidade e cidadania. 

Mais preocupante ainda é a forma como o sistema reduz a Educação para a Cidadania e Desenvolvimento a uma disciplina esvaziada, incapaz de envolver, comprometer ou formar verdadeiramente os jovens para os valores democráticos. A cidadania não se ensina em blocos soltos. Vive-se em todos os momentos da escola. E para isso, é preciso recuperar a centralidade do diálogo, da escuta, da ética, da empatia. 

Propõe-se há muito tempo um novo paradigma educativo, mas continuamos presos a modelos que confundem sucesso com estatística e empregabilidade com humanização. O que se exige agora é uma ética do cuidado, uma escola que forme para a preocupação com o outro, para o desenvolvimento pessoal, social e afetivo das crianças e jovens. Uma escola que não sacrifique o pensamento em nome da técnica, nem o sentido em nome da utilidade.

A Filosofia, desde a infância, deve ser parte essencial desta reconstrução. Não apenas como disciplina, mas como método: aprender a perguntar, a escutar, a pensar melhor. Em tempos de ruído, populismo e desinformação, fazer filosofia é um ato de resistência democrática.

Podemos aplaudir medidas como a proibição do uso dos telemóveis em contexto escolar ou o reforço das aprendizagens essenciais. Mas se não repensarmos o lugar das Humanidades, continuaremos a preparar alunos para um mundo que muda depressa, sem lhes dar as ferramentas para pensar, sentir ou intervir nesse mundo.

Eugénio Oliveira

Eugénio Oliveira

30 julho 2025