Diariamente nasce o dia e surge a noite.
De noite sempre haverá pessoas que no mal caminham e não trazem vantagens para ninguém. Roubam horas ao descanso diário e não são trabalhadores, nem estudantes, nem filósofos ou poetas: são artistas da noite que actuam sob a sombra da noite: não amam facilmente, pouco ou nada conhecem e pouco ou nada pensam. Geralmente são cérebros desabitados, ou vivos morbíparos.
Contudo, durante a noite, também se encontra quem junta a disponibilidade e a virtude de servir os outros, à necessidade do digníssimo trabalho, que é o ganha-pão que lhes garante a sobrevivência e os justifica sem favor. Estes justificados da noite, sabem que o homem que nunca comprou um pedaço de pão com o dinheiro do seu trabalho, jamais amou e viveu tranquilo ao lado dos outros homens.
Desse modo, na noite, as rádios funcionam, as televisões transmitem, a imprensa lima as últimas arestas, as ambulâncias circulam e só os malucos riem e, os adeptos da delação, da velhacaria e da rapacidade, concretizam ataques.
Bela foi a noite, deste Julho suadouro.
E nessa noite de insónias, pelas ruas principais, reflecti e vivi o positivo e o negativo da noite!
Vi gente com aspecto de gente: transgressores, drogados, pedintes, vendedores de sonhos utópicos e acções que me pareceram ilegais. Vi egoístas, imbecis, loucos, arrogantes, mal-educados, gente agressiva, polícias indiferentes, mulheres oferecidas, gente com dores e ambulâncias a mais de cem à hora. E daqueles que me pareceram ser gente que não identifiquei a dormir na rua, ouvi ruídos da respiração e gritos de sonhos aflitos!
Vi maus vizinhos, cobardes, bancários e políticos sem interesse; vi casas em ruínas sem aviso de perigo, gente com dureza de estilo e a cheirar a bedum. Vi inimigos do asseio das ruas e dos jardins cuidados, bêbedos, facínoras, falsários e os que se escondem na noite. Enfim, vi gente com falta de liberdade, porque com falta de cultura, de brio, de personalidade e de carácter!
Nessa noite também senti a noite que advogo: limpa a noite, tranquila a noite, temperada a noite, bela a noite! Noite, que em certos locais e devido ao estranho silêncio, me fez sentir e reconhecer o meu Deus, o “Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis”, o Senhor e Autor da matéria, da Humanidade!
Nessa noite refrescaram-se-me os ossos e o espírito, bem como a terra, as plantas e os montes! Noite que actualizava – com a sua marcha inexorável – o tempo, e que fez crescer o meu pão do dia seguinte!
Agora que conheço a vida e o mundo que me foi cadeando, que tentou abafar-me, que me proibiu d’algumas espigas de milho para a minha sobrevivência, confirmo que a noite não recebe o sol, mesmo que exista o Sol da meia-noite!
É de noite que se bebe, fuma e dança. Ataca-se no álcool e conspurcam-se os ambientes, a existência do amor livre, violações, comportamentos defendidos por vários Bertrand’s Russell’s do meu país.
É de noite que o Demo mais trabalha, mais amigos tem e conquista, porque os agita e/ou embala matreiramente.
É de noite que a prostituição mais se exibe, mais actua, programa a venda e a oferta, os encontros e as traições, como de carne para açougues se tratasse. É de noite (também de dia) que a droga se compra, os consumidores se matam lentamente, a exploração se faz – cujos criminosos actuam e contas se ajustam – contra os devedores do veneno ou da morte que vão transportando e espalhando.
É de noite que se é molestado, se praticam desobediências à lei dos homens e se pode morrer em qualquer esquina da cidade, num matagal ou boiando num rio (qualquer) de águas turvas, porque podricalhos, para os homens da noite.
É de noite que se transportam mercadorias ilegais, porque conhecem a não fiscalização (de noite) pelas autoridades competentes.
É de noite, que oportunistas, egoístas e autoridades responsáveis, fazendo “ouvidos de mercador”, permitem barulhos, ruídos injustificados que, legal ou ilegalmente, roubam o descanso de quem trabalha no dia seguinte ou de quem acamado vive.
É de noite que, salvo raras excepções, a sociedade se vai destruindo, se vai acorrentando, sem que os mandantes tomem atitudes para defesa daqueles que amam a vida e o puro silêncio da noite.