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A pressa da sociedade e o tempo do luto: quando o mundo não espera

Vivemos numa sociedade acelerada, que valoriza a produtividade, a eficácia e o desempenho. A rotina apressa-nos, atravessa-nos o corpo e os dias. As agendas enchem-se. As respostas têm de ser imediatas. Vivemos ao ritmo dos prazos, das metas e dos resultados. Produzir. Responder. Comparecer. Continuar. Nesta cultura da velocidade, há pouco espaço para o tempo lento da dor, da escuta interior e da pausa que o luto exige.

O luto – essa experiência humana tão antiga quanto o amor – não tem pressa. Ele caminha noutro tempo: o tempo interno. É um processo profundamente humano e espiritual. Desorganiza tudo o que conhecíamos e interrompe a normalidade da vida. Não é um evento isolado, mas uma jornada. E, como toda a jornada, exige tempo e silêncio. No entanto, poucos estão preparados para acompanhar este tempo diferente – o tempo da alma, que não se mede em horas ou semanas, mas em experiências, emoções e significados.

Logo após uma perda significativa, a maioria das pessoas depara-se com uma contradição cruel: enquanto o coração precisa de tempo para se reorganizar, o mundo à volta exige uma recuperação quase imediata. Os e-mails continuam a chegar. As contas não se adiam. Os outros seguem com as suas rotinas. E quem está em luto sente-se, muitas vezes, deixado para trás, como se a sua dor tivesse de caber num intervalo curto entre duas reuniões.

A sociedade não sabe esperar. A cultura atual promove a ideia de que a superação é rápida, que o choro deve ser breve e que o silêncio é incómodo. Quem sofre sente-se pressionado a voltar ao “normal”, a sorrir de novo, a mostrar que “está a reagir bem”. Como se o sofrimento tivesse prazo e se resolvesse com força de vontade.

O luto não é uma doença a curar, nem uma fraqueza a esconder. É uma expressão do amor que se perdeu. É a tentativa de continuar a viver com o coração rasgado pela ausência. Um tempo sagrado — embora muitas vezes solitário — em que cada pessoa tenta reorganizar-se interiormente, redesenhar os seus vínculos e encontrar sentido numa realidade transformada.

Por vezes, por falta de tempo ou permissão, as pessoas “seguem em frente” sem nunca terem parado verdadeiramente. O luto que não encontra espaço transforma-se em cansaço, irritabilidade, doenças psicossomáticas, isolamento. Fica preso no corpo, na memória, nos gestos inconscientes. E, mais tarde, volta a bater à porta — exigindo o que não pôde ser vivido. O luto vivido com presença não é sinal de desequilíbrio, mas de humanidade. É no ritmo lento da escuta e da memória que a dor começa a transformar-se.

Enquanto terapeuta, escuto muitas vezes esta pergunta: “Quanto tempo vai durar a minha dor?” A resposta, embora difícil de aceitar, é sempre a mesma: o tempo que for necessário. Não se trata de esquecer, mas de aprender a viver com o que falta. De continuar o caminho sem apagar o amor que ficou.

Cada pessoa vive o luto à sua maneira — algumas precisam de falar, outras de silenciar; umas procuram rituais, outras apenas recolhimento. Não há fórmulas. Mas há necessidades universais: tempo e espaço. Tempo para sentir, sem ter que justificar. Espaço para existir, sem ter que fingir. Porque o luto é um caminho. E ninguém deveria ter de percorrê-lo com pressa, nem sozinho.

Clarisse Queirós

Clarisse Queirós

26 julho 2025