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Irradiar riqueza e erradicar a pobreza

Todos o sabemos e por aqui, nesta página do DM, já o tenho lembrado de quando em quando. Os media, das TVs às redes sociais e passando também por boa parte da imprensa escrita, exalam e projetam sobretudo aquilo que choca, o que é incomum ou que assume foros de inverosimilhança. 

Quem no nosso país assiste aos noticiários televisivos com regularidade, como sucede com o autor destas linhas, sente-se membro de uma comunidade muito imperfeita, sempre aquém dos objetivos que para si atribui como globalmente legítimos, uma comunidade submergida por sucessivos problemas ou insuficiências que se afirmam constrangedores. E, no entanto, se atendermos à evolução dos indicadores socioeconómicos das últimas décadas (desde a década de 60 do século passado até à atualidade, se quisermos englobar os anos de crescimento acumulado mais acelerado, entre 1960 e 1973, no contexto dos “trinta gloriosos” anos do capitalismo ocidental), teremos de reconhecer que a evolução dos mesmos é marcante. 

Em Portugal, nestas últimas seis décadas e meia, a pobreza global tombou assinalavelmente, os indicadores de consumo e conforto robusteceram-se e quase se generalizaram: água canalizada e saneamento nas habitações, agora apetrechadas com eletrodomésticos que libertam tempo, como as máquinas de lavar louça e roupa, a par do frigorífico ou da televisão (ainda ausente da casa dos pobres ao tempo da Revolução de Abril de 1974), a posse comum do automóvel. 

Continuamos, todavia, na cauda da rica Europa Ocidental, no respeitante aos indicadores de riqueza e bem-estar. E assim sucede, naturalmente, porque os demais países ricos europeus também evoluíram durante o período que aqui tomei como referência.

Problema magno, incontornável e sem solução a curto prazo, é o que decorre da carência de habitações a preços acessíveis para muitos portugueses, seja na compra, seja no arrendamento. A miséria habitacional que as televisões têm insistentemente projetado na região da Grande Lisboa, onde barracas abrigam famílias, só pode causar inquietação e perplexidade. Há ilegalidade na “edificação” destas estruturas precárias, poderá até haver algum sentido de oportunismo dos moradores (“aguentar na barraca até que a Câmara Municipal, coagida pelo cerco da imprensa, se veja forçada a disponibilizar uma casa com renda a preços simbólicos a estas famílias”, conforme alega o presidente da Câmara de Loures), mas o que de verdade subsiste são situações de inaceitáveis condições de habitabilidade. Obviamente, as crianças que vivem e pernoitam nestas estruturas não poderão alcançar senão maus resultados na escola, por exemplo. Desta vivência de pobreza emergirão novas gerações de pobres. E a criminalidade também é potenciada pela pobreza, dizem-nos todos os estudos de sociologia.

Uma vez mais, sustento, temos de aprender a planificar melhor e temos de tecer melhor a nossa organização social. Lisboa, como todas as capitais europeias, nunca poderá albergar todos os demandantes que aí se queiram alojar (da pressão de uma elevada procura resultará sempre um preço mais elevado na habitação, comparativamente com o observado noutras regiões do país), mas também não se mostra facilmente inteligível que o m2 de habitação nesta cidade (na compra, como na renda), seja hoje dos mais elevados na Europa, quando o rendimento médio dos portugueses se exibe como um dos mais baixos.

Vivemos no tempo da emergente IA (inteligência artificial) que, a par da ameaça sobre muitos postos de trabalho, promete alavancar ou potenciar o crescimento económico. A IA pode, de facto, aumentar a produtividade no trabalho, e logo a riqueza, em várias atividades, o que nos deixa alguma esperança.

Sabemos que o crescimento económico no mundo capitalista (aqui também entra a China, com o seu capitalismo vigiado pelo PCC) tem alimentado super-ricos, como Elon Musk, Jeff Bezos e outros. Mas temos direito a ansiar, e a reclamar, que o esperado incremento de riqueza seja irmanado por um planeamento e uma partilha mais justos e eficazes, globalmente. Por cá, em Portugal, precisamos de irradiar a riqueza, dada a ainda nossa considerável modéstia coletiva. Para a maioria, urge incrementar os salários, para alisar as desigualdades, enquanto, simultaneamente, se impõe erradicar a pobreza aflitiva que ainda abraça frações significativas da nossa sociedade.



 

* Doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

25 julho 2025