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O luxo e o lixo

1. A Comunicação Social deu notícia do desmantelamento de um bairro de lata no Talude Militar, em Loures. Existia desde 1980 e foi construído sobretudo por imigrantes cabo-verdianos e são-tomenses que trabalham na construção civil. 

É essa uma das grandes missões da Comunicação Social: informar da realidade do País que somos. Exercer a função de Quarto Poder.

Era bom que só desse notícias agradáveis mas a vida é tecida de tudo e há realidades negativas que o comum dos cidadão deve conhecer. Até para que saiba o terreno que pisa. Para que não vá na onda da desinformação, que vai crescendo.

É dever da Comunicação Social servir os cidadãos, fornecendo-lhes uma informação de interesse, verdadeira, completa, isenta, o mais possível objetiva. Ser, como séculos atrás se dizia, a propósito do jornal, a boca do povo e a orelha do príncipe.

Não cumpre tal missão se se deixa influenciar pelo capitalismo desenfreado ou pela sociedade de consumo. Aquele em tudo vê oportunidades de negócio e esta cria necessidades artificiais. Ambos se servem das pessoas.

2. Foram desmanteladas casas de lata. Casas onde viviam pessoas.

Não teria sido melhor ter impedido, logo de início, a sua construção? Não há fiscalização para isso?

Construídas, concluiu-se serem indignas de seres humanos. Serem lixo. E desmantelaram-se. Ao que parece – e peço desculpa se estou a errar – sem, previamente, terem acautelado alojamento digno para quem, de um momento para o outro, ficou sem qualquer teto.

3. Habitações construídas por imigrantes.

Lembro sermos nós, também, um país de emigrantes. Muitos dos nossos compatriotas, ao longo dos séculos, rumaram mundo fora em busca de melhores condições de vida.

Ficamos revoltados se, no país do destino, não são bem acolhidos. Coerentemente, temos obrigação de acolher bem os imigrantes que nos procuram

A imigração, devidamente controlada, é um bem. Temos necessidade de mão de obra. Mas é bom termos consciência de que o imigrante é, também, um ser humano. Um filho de Deus. Quem beneficia dos serviços dos imigrantes, além de lhes dar uma remuneração justa, deve preocupar-se com as condições em que vive. 

4. O direito de todos a uma habitação digna está consagrado na Constituição da República Portuguesa, Artigo 65.º:

«1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;

b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;

c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;

d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.

3. O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria».

A Lei n.º 83/2019 estabeleceu a Lei de Bases da Habitação, que reforça o direito à habitação como um direito fundamental e impõe ao Estado a responsabilidade de assegurar o seu cumprimento. Esta lei proíbe despejos forçados, busca reduzir assentamentos informais e estabelece medidas para garantir o acesso à habitação para todos, incluindo apoio social para famílias vulneráveis. 

5. Constroem-se mais apartamentos de luxo do que casas de habitação acessíveis a pessoas de modestos recursos. Simples, dignas, funcionais. Onde os casais possam ter filhos. Onde seja possível a convivência entre pais, filhos e netos.

É uma desumanidade e uma injustiça a coexistência do luxo com o lixo.

Silva Araújo

Silva Araújo

24 julho 2025