Um velho amigo telefonou-me, há dias, depois de ter estado longo tempo sem me procurar. Pessoalmente, procedi com ele da mesma maneira, Não por qualquer razão de aborrecimento ou zanga. Sempre em boas relações, como que nos surpreendemos por termos estado tanto tempo sem comunicarmos um com o outro.
Perguntei-lhe se precisava de alguma coisa da minha parte. Disse-me com simplicidade: não, nada. Apenas estranhava que estivéssemos tanto tempo sem falarmos. Certamente, não era por desconfiar da minha amizade, mas porque receava que estivesse a passar um mau momento de saúde.
Sosseguei-o. Encontrava-me em bom estado, mau grado a idade começar a dificultar o funcionamento da atenção e da memória. E ele? Tudo bem? Algum problema?
Respondeu-me negativamente. Graças a Deus, a vida não corria mal. No entanto, sentia-se um pouco surpreendido com o seu novo estado de reformado. Isto de não ter de ir todos os dias para o emprego (que lhe ocupou mais de trinta e cinco anos), fazia-lhe confusão. Por vezes, até, ao levantar-se mais tarde do que quando trabalhava, surgia uma inquietação por lhe parecer que estava atrasado em relação às horas do começo das suas obrigações profissionais. Mas logo se sossegava, ao tomar consciência do seu novo estado de vida.
Também não sabia muito bem, observava, como ocupar o seu tempo. Havia dias em que lhe parecia que o seus nervos funcionavam duma maneira muito agreste. E só o lembrar-se de que devia cuidar melhor do seu jardim, que, durante muitos anos, mal o olhava e quase o esquecia, lhe davam alguma calma. No entanto, acrescentava, os cuidados da sua esposa, sempre levaram a que nele florescecem bonitas flores, cujo nome desconhecia. Ela teve o cuidado de o pôr em contacto com esse novo mundo, que o atraía pela beleza do que nele ia nascendo nas diferentes épocas do ano. Agora, sim, tomava consciência da importância desse pequeno recinto, que o atraía e o ocupava.
Certamente: a sua cara metade, com alguma frequência, tinha de lhe chamar a atenção para a paciência necessária de ver despertar, a seu tempo, os diversos tipos de flores. Já que ele, dizia-me, por não entender nada desse assunto, queixava-se com frequência de que não via aparecer o que plantara. “É preciso ter pachorra verdadeira”, dizia-lhe a esposa. “Não te preocupes. As coisas demoram o seu tempo a crescer. As sementes são muito humildes: deixam-se enterrar para dar-nos, depois, a beleza dos cravos, dos lírios e de tantas outras flores que podem enfeitar o jardim...”
O meu amigo perguntou-me: “Quando queres aparecer por cá?” Respondi-lhe: “Na próxima semana, talvez na 5.ª Feira...” “É que eu gostava que visses umas flores muito bonitas que nasceram há dois ou três dias...” Perguntei-lhe: “Como se chamam?” Respondeu-me: “Não faço ideia... Tenho de perguntar à minha mulher. Mas vens cá? Almoças com a gente...” Estive de acordo. E lá fui. Realmente eram duma beleza muito notória as novas flores. Ele continuava a não saber o seu nome... Mas a sua esposa, orgulhosa por terem nascido no seu jardim tais flores,
perguntou-me se já as tinha visto. Respondi-lhe afirmativamente. Ela disse-me como se chamavam, mas não fixei o seu nome. O importante era a sua beleza... E também a ocupação e os cuidados com que preenchiam o tempo do meu amigo reformado…