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O pai na nação sul-africana

 


 

Decidiu a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2009, que 18 de julho seria o “Dia Internacional Nélson Mandela”. Celebrado pela primeira vez em 2010, esta efeméride tem vindo a ser assinalada, de forma ininterrupta, com homenagens e atividades diversas.

Nélson Mandela foi um líder político e ativista sul-africano que se tornou um dos maiores ícones da luta contra o apartheid, um sistema de segregação racial que esteve em vigor na África do Sul, durante grande parte do século XX. É considerado o pai da moderna nação sul-africana, que o apelida de Madiba1 ou Tata2

Mandela nasceu a 18 de julho de 1918, na vila de Mvezo, no Transkrei (África do Sul), sendo um dos treze filhos de Nkosi Mphakanyiswa Gadla Mandela e de Nosekeni Fanny. Foi-lhe dado o nome de Rolihlahla3 Dalibhunga Mandela, mas quando, em 1925, começou a frequentar a escola primária, em Qunu, a professora passou a chamar-lhe “Nélson”4, atendendo ao costume de dar nomes ingleses a todas as crianças que frequentavam a escola.

Depois de um percurso escolar algo atribulado, em 1943, ingressou no curso jurídico da Universidade de Witwatersrand, em 1943, e aí se graduou. Pouco depois, juntamente com o amigo Oliver Tambo, inaugurou o primeiro escritório de advocacia negro do país. É nas lides jurídicas que se apercebe verdadeiramente de que a justiça pendia para os brancos e que as leis eram parcialmente aplicadas. E mais tarde, já em Joanesburgo, tomou consciência do abismo que separava brancos e negros, o que o levou a lutar contra o racismo, ingressando no Congresso Nacional Africano (ANC)5, partido que lutava contra o apartheid.

A luta tornou-se ainda mais forte quando, em 1948, o país passou a ser governado pelo Partido Nacional, de extrema-direita, e o regime se tornou ainda mais segregacionista, aprovando, no ano seguinte o regime do apartheid

Após anos de resistência pacífica, em 1961 passou a defender ações armadas contra o regime opressor, ajudou a fundar e liderou o Umkhonto we Sizwe6, braço armado do ANC. Por esse motivo, foi preso, em 5 de agosto de 1962, e, dois anos depois, condenado a prisão perpétua, por sabotagem e outros crimes políticos. Passou 27 anos na prisão, tornando-se o prisioneiro mais famoso do mundo. 

Graças à pressão internacional e a negociações internas, o regime começou a ruir e, em 1990, Nélson Mandela foi libertado. Quatro anos depois, tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul, eleito democraticamente. Governou até 1999, tornando-se responsável pela refundação do seu país como sociedade multiétnica, bem como símbolo mundial da reconciliação, da justiça e da paz. Criou a Comissão da Verdade e Reconciliação, encarregada de apurar, mas não de punir, os factos ocorridos durante o apartheid; adotou um novo hino nacional e uma nova bandeira: a bandeira oficial dos brancos passou a incorporar as cores da bandeira do ANC, sugerindo assim a união de todos os povos da nova nação que surgia.

Em 1993, juntamente com De Klerk7, recebeu o Prémio Nobel da Paz8, como reconhecimento pelo seu trabalho em favor do fim do regime do apartheid. Aproveitou a circunstância para afirmar: “o valor deste prémio que dividimos será e deve ser medido pela alegre paz que triunfamos, porque a humanidade comum que une negros e brancos numa só raça humana teria dito a cada um de nós que devemos viver como as crianças do paraíso”.

Mandela faleceu a 5 de dezembro de 2013, em Joanesburgo. Amplamente respeitado como um ícone da luta pelos direitos humanos e pela dignidade humana, foram-lhe dedicados diversos filmes, músicas e livros, fazendo dele uma das mais incontornáveis figuras históricas.

As circunstâncias atuais, marcadas pela crispação entre os povos e classes sociais, pela dificuldade de aceitação das diferenças e pelo enfraquecimento do diálogo tornam esta figura ainda maior e mais atual. 

 

1 Madiba é o nome do clã Thembu, a que Nélson Mandela pertencia. O clã é uma subdivisão da etnia xhosa, uma das maiores da África do Sul. Na tradição desta etnia (e noutras culturas africanas), o nome do clã é usado como forma de respeito e reverência, sendo, por vezes, mais importante do que o nome próprio.

2 Palavra das línguas xhosa e zulu que significa “Pai”.

3 Em língua xhosa, este nome significa algo como “agitador”, o que pode ser considerado profético.

4 Este nome é uma homenagem ao Almirante Horatio Nelson (1758-1805), um oficial britânico da Marinha Real Britânica, famoso pelas suas intervenções nas Guerras Napoleónicas e pela vitória em várias batalhas.

5 O Congresso Nacional Africano foi fundado em 1912, por nacionalistas negros. À época, era um movimento formado principalmente por bantos, para fazer frente às novas leis segregacionistas. Composto pela elite negra (profissionais liberais, religiosos e intelectuais), tinha bases cristãs e não revolucionárias.


 

6 Umkhonto we Sizwe, também conhecido pela sigla MK, significa “Lança de uma Nação” e apresenta-se como resposta ao Massacre de Sharpeville, no dia 21 de março de 1960. Cerca de 20000 manifestantes marchavam calmamente, num protesto pacífico, quando a Polícia Sul-Africana conteve o protesto com rajadas de metralhadora. Morreram 69 pessoas e cerca de 180 ficaram feridas. Com a fundação do braço armado do ANC, dava-se a entender que o apartheid não mais poderia ser combatido com a não violência.

7 Frederik Willem de Klerk (1936-2021), do Partido Nacional, foi presidente da África do Sul entre 1989 e 1994. Sucedeu-lhe Mandela que, nas eleições de 26 a 28 de abril de 1994, foi eleito com 62% dos votos.

8 Recebeu também a Medalha Presidencial da Liberdade, dos Estados Unidos da América (2002) e o Prémio Sakharov que lhe foi atribuído pelo Parlamento Europeu, em 1988, a par de cerca de 250 condecorações e prémios, o que fez dele o político mais galardoado em vida.

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

14 julho 2025