Todos aspiramos por tranquilidade, uma espécie de sinónimo, consequência ou via, para a felicidade. Vivemos todos, de há muito, na designada “aldeia global”, e com via aberta para nos inteirarmos das muitas desgraças que marcam o nosso tempo. Bom seria podermos refastelar-nos numa nova “Belle Époque”, um tempo de acelerado progresso material na Europa envolto numa calmaria e aparente inocência no contexto das relações internacionais. Mas não se insinua, não se veste assim o nosso mundo e o nosso tempo.
A Belle Époque, que se arrastava desde o último quartel do século XIX, desabaria, aliás, na 1.ª Guerra Mundial de má memória, o grande conflito que mirrou a demografia, a prosperidade e a já secular supremacia da Europa – a partir de então subalternizada, no plano internacional, pelos EUA.
Aqui, nesta nossa Europa, face a um caudal de notícias recorrentemente ácidas, particularmente desde 2020 (a pandemia COVID 19, a Guerra na Ucrânia, com os muitos milhares de mortos, e a guerra de Gaza, ao que se pode somar o desafio decorrente da reeleição de Donald Trump), a realidade não se mostra confortável.
Por cá, no nosso Portugal, distante do grande conflito ucraniano que – sobretudo este – corrói e ameaça a Europa, as preocupações distribuem-se pelas casas que se fazem escassas (mas há menos de duas pessoas por fogo ou casa em Portugal…), pelos efeitos da imigração e da (ainda expressiva) emigração, pela desigualdade social e pelos persistentes baixos salários ou rendimentos médios.
A conquista da tranquilidade individual requer que atentemos para lá da conjuntura, para além dos dias avessos ou gravosos que, nos últimos anos, marcam as notícias quotidianas (das quais também tenho feito eco regular nas minhas crónicas, como poderá reconhecer o leitor mais atento). Não podemos nem devemos alhear-nos do mundo que nos envolve, que também preenchemos, sob pena de assumirmos, desse modo, um perfil egoísta, mas também não devemos ficar prostrados pelo peso de tantas desgraças.
Assim, sem querer vestir agora o fato de psicólogo ou guru tranquilizador, num tempo de férias que, entretanto, se aproxima para muitos, proponho-me recordar algumas reflexões ou asserções já milenares, visando a serenidade pessoal, de vultos que viveram em tempos igualmente densos ou intensos.
O romano Séneca – um homem que, curiosamente, foi muito rico –, numa abordagem que anacronicamente podemos reter como anticapitalista, sustentava que “pobre não é o homem que tem pouco, mas o homem que deseja mais”. Esta também pode ser uma frase indutora da resignação, pode criticar-se ou ler-se (combina pouco com o contemporâneo direito à greve, por exemplo), mas fica aqui o registo.
E na esteira do também antigo Epicteto (um grego que viveu a maior parte da sua vida como escravo, em Roma), podemos ainda lembrar que, não obstante todas as desgraças e insuficiências do nosso mundo e do nosso tempo, para lograrmos a tranquilidade podemos reter que “O que importa não é o que nos acontece, mas como reagimos a isso”.
Ontem como hoje, todos devemos perseguir caminhos meritórios. As hodiernas redes sociais insinuam-se como novos e alternativos lugares onde se pode intentar a aprovação pública alargada. Bem lá atrás, no tempo, o imperador Marco Aurélio, validando a dissensão dos justos ou bons, asseverava: “a tranquilidade individual surge quando deixamos de nos preocupar com o que os outros dizem, pensam ou fazem. Só interessa o que tu fazes”.
Há mais de meio século (julho 1969) os humanos alunaram, no designado “Mar da Tranquilidade”, uma espécie de metáfora pouco auspiciosa, podemos hoje acertar.
Individualmente, não seremos capazes da “conquista” de novos mares da tranquilidade. Todavia, se empenhados em contribuir para melhorar o mundo por onde transitamos – desvalorizando a censura ou aprovação vigilante do outro, como nos propõe Marco Aurélio –, poderemos, pois, almejar a placidez, a tranquilidade que todos ansiamos.
* Doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra